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Raquel Naveira

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A chuva forte escorre pela vidraça. Gotas congeladas saíram das nuvens. As folhas das árvores balançam. Flores amarelas de ipê cobrem a calçada. Enquanto isso, as notícias são de tempestades, tornados e ciclones varrendo o país de ponta a ponta com poder de destruição. Casas destelhadas, postes derrubados com fiações expostas, pessoas desabrigadas, mortos e feridos. Os comentários explicam o inexplicável: massa de ar quente; frente fria; cisalhamento de vento elevado; o ar girando no vazio; o olho do furacão se formando no centro das paredes, que subiram em espiral; as águas que ultrapassaram os limites da areia e invadiram as áreas costeiras.

Esses fenômenos meteorológicos ganham nomes masculinos e femininos: Andrea, Fernando, Gabrielle, Humberto, Imelda, Karen, Melissa... Nomes para registros históricos, para estudos científicos. Causam arrepios. Alguns nomes como Katrina ou Maria jamais serão reutilizados, tal a lembrança nefasta de seu potencial de tragédia.

Na Idade das Explorações (1420-1620), europeus, navegantes hábeis, atiraram-se aos mares em seus navios, em longas viagens, em rotas para a Índia, a China e o Japão. Traçaram o mapa do mundo numa história dramática. Não se pode diminuir a coragem, a visão e a fé desses homens ansiosos por coisas novas. Enquanto avançavam, observavam com arrogância a superfície do globo. Só as forças da natureza podiam detê-los no mar verde das trevas. À mercê dos elementos e longe da terra, os marinheiros acossados pelas tempestades, temiam os caprichos extremos do tempo. Colombo (1451-1506) lia a Bíblia caminhando pelo tombadilho. Ficavam à espera dos raios de eletricidade nos cordames. Pensando nessa cena, escrevi o poema “Fogo de Santelmo”:

Assumo:
Sentia pavor
Quando perdíamos o rumo
Nos temporais violentos.

 A bússola desgovernada,
Os remos soltos,
Os ventos fustigantes
Entre trovoadas.

Até que um clarão
Branco e azulado
Envolvia o mastro
Entre brilhos e faíscas.

Recito alto
As palavras de Cristo:
“Não tenhais medo,
Sou eu.”

Haverá metáfora melhor para os problemas, dificuldades e sobressaltos da vida do que estarmos no nosso barco, à deriva, em meio à tempestade? Tempestades exteriores e interiores? Como não nos assustarmos com o céu escuro sobre nossas cabeças? Como aprender a dançar na chuva? A não tomarmos decisões precipitadas enquanto os relâmpagos e trovões não cessarem? Como manter serenidade nas turbulências e gentileza nos tropeços? Na angústia, só a mão divina acalma as vagas e nos leva ao porto desejado. A tempestade nos ensina o quanto somos vulneráveis e, mesmo assim, capazes de superar desafios.

De onde vieram afinal as tempestades e os ciclones de dores, aflições e necessidades? Fomos nós que causamos essas fúrias? Vieram para nos testar ou para nos derrotar? Constatei que estamos no centro do ciclone:

Estamos no centro do ciclone,
Girando
No redemoinho.
No centro do ciclone,
Perturbados,
Correndo na velocidade do vento.

No centro do ciclone,
Num turbilhão violento
Que destrói tudo ao redor.

No centro do ciclone,
Numa atmosfera de pânico,
Explodindo de pressão.

Continuo remando sem parar. Encontrarei, depois daqueles recifes, a paz.

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