Antonio Carlos Lima Pompeo
O tango tem para os argentinos o valor musical que o samba tem para nós brasileiros. Passa o tempo e uma das atrações mais procuradas pelos visitantes àquele país, é assistir um show de tangos em que o casal de bailarinos exibe uma plástica notável e uma coordenação de passos e movimentos difíceis de serem absorvidos pelos “estrangeiros”.
Estes espetáculos podem ser assistidos de várias maneiras E com custos variáveis. Shows nas ruas “de graça” - Ou em casas de espetáculos onde são incluídos uma boa comida e o tango, cujo instrumento central é sempre o “bandoneon” Tocado com muita alma por instrumentistas em geral já de “cabelos grisalhos”.
O maior cantor e compositor de tangos da Argentina foi Carlos Gardel, filho de imigrantes franceses, sendo seu local de nascimento (1890) de origem controversa - se na França ou numa pequena cidade uruguaia -! Fez sucesso extraordinário não apenas na Argentina, mas em todo o mundo. É difícil após assistir um desses espetáculos e voltar para casa sem adquirir um disco em geral pleno de sucessos. Quis o destino que este cantor falecesse aos 45 anos, em um acidente aéreo em Medellín, Colômbia para onde viajava para apresentações.
Gardel era amante do turfe como a maioria dos argentinos que para lá se dirigiam, apostavam fortunas e caracteristicamente sempre exibindo a melhor aparência possível quanto às vestes, penteados, joias e chapéus. Entre os seus inúmeros sucessos mundiais inclui-se um tango relacionado às corridas de cavalo – “por una cabeza”, que refletia a vitória de um cavalo por pequena margem!
Em 1993 no filme americano “Perfume de Mulher” que teve grande sucesso o ator Al Pacino, interpretando um cego, dança em cena icônica o tango “Por una Cabeza”. Por essa atuação ganhou o Oscar de melhor intérprete.
Esta breve introdução ao tango era necessária para a compreensão da história a seguir.
Eu, ainda bem jovem, iniciava minha carreira universitária como médico assistente da Urologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, e fora convidado para um evento como conferencista em Asunción, Paraguai. Tomei um avião da TAM para aquele destino - havia várias poltronas vazias - eu estava sentado na janela de uma fileira de seis bancos (três de cada lado), mais ou menos a metade do avião. As duas poltronas ao meu lado estavam vazias. Na fileira de trás estavam dois jovens paraguaios identificados pelo forte sotaque dos habitantes daquele país.
A TAM fazia naquela ocasião sorteios de prêmios a bordo, buscando claro, incentivar os viajantes. Após atingir sua altitude e velocidade de cruzeiro os comissários de bordo se postaram em pé, junto à porta da cabine de comando, e esclareceram as regras da premiação. Seria contemplado o passageiro que estivesse na poltrona do número sorteado. Tudo muito claro... havia muitas poltronas vazias, o que se resolveria com um novo sorteio. O prêmio era uma caneta cromada “Cross”. Ao ouvir as explicações, resolvi aumentar minhas chances, mudei-me para a poltrona do meio e imaginei ir para a direita ou para a esquerda, conforme as circunstâncias (número sorteado) ...
Não deu outra, o premiado é... 18D (lateral ao meu lado). Inclinei parcialmente meu corpo e a cabeça para aquela poltrona. Palmas... palmas para o premiado que vai receber seu prêmio! Neste momento eu já estava na lateral! O prêmio não era o mais importante, mas sim o ambiente de competição criado e a expectativa. Os dois rapazes do banco de trás que observaram minha movimentação, com certa tristeza e conformação fizeram um comentário que ouvi muito bem. “Este muchacho gano por una cabeza” (alusão ao tango).
Jamais esqueci este episódio, ínfimo na essência, mas... existencial. Os valores mudam com a maturidade...hoje o desfecho seria outro.
Mas... valeu!
Antonio Carlos Lima Pompeo – Academia Cristã de Letras – Cadeira nº 08