Raquel Naveira
Escandaliza-me ouvir as pessoas afirmarem: “não existe certo ou errado”, “não existem falhas, erros, transgressões ”, “tudo é muito relativo”.
Onde estão os valores? A balança da consciência? A seriedade? É certo um mundo cheio de guerras, violência, fome, crianças desamparadas, escândalos?
Os homens não ofendem, injuriam, ignoram a fé, juram falso, matam, roubam, mentem, cobiçam, caluniam? Todo esse lodo, essa lama não serão regurgitações do inferno?
Os que escarnecem da existência do pecado alegam que só seria pecado aquilo que cometemos voluntariamente, com o uso da razão, que não seriam pecados atos, palavras ou omissões que praticamos sem plena advertência ou consentimento. Como se pudéssemos chamar a nosso favor a nossa própria ignorância. Aliás, de fato, a ignorância é o nosso maior pecado,
como o Cristo declarou na hora da morte: “-Pai, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem.”
Valho-me do Direito para esclarecer meu raciocínio. Define o Código Penal no seu artigo 15, itens I e II:
“Diz-se o crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Explica o artigo 16: “A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena”.
Ficou claro que o elemento subjetivo, o dolo ou a culpa, será pesado pelos juízes, mas “não há isenção da pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”,
conforme o § 1º do artigo 17.
Valho-me também da Ciência, quando foi comprovado que “a toda ação corresponde uma reação igual e contrária”, ou seja, a relação de causa e efeito que rege tanto o mundo material quanto o espiritual. Todos os atos que praticamos desencadeiam reações. Em cada ato presente está a semente do nosso futuro.
Outros zombam da culpa que carregamos dentro de nós, nossa ascendência natural e se estarrecem ao ver que os inocentes pagam pelos pecadores. Os que vieram antes de nós erraram, já não existem, mas nós carregamos as consequências desses erros coletivos . É uma verdade, todos carregamos no sangue os desvios, as taras de nossos antepassados, assim como seus ideais e esperanças. Somos veias desse caudaloso corpo da Humanidade, somos rios dessas confluências de vícios e virtudes.
Os gregos em seus mitos compreenderam de forma muito lúcida o problema da culpa e da relação causa e efeito. De que adiantaria Édipo alegar que não sabia que Jocasta era sua mãe, quando se casou e teve filhos com ela, numa união maldita? Foi necessário que expiasse a culpa, que cegasse os olhos carnais para abrir os do espírito, da mente e da arte.
Se não reconhecemos a verdade primária que somos pecadores, que devemos fugir do pecado como se foge da serpente que rasteja entre as pedras, como conseguiremos alcançar a virtude básica do edifício espiritual que é a humildade? Sem a humildade que nos mostra o quanto somos seres fracos, imperfeitos e frágeis, como poderemos escapar de trevas e tormentos?
Como seremos iluminados pela luz do arrependimento e da misericórdia divina?
O mal é mesmo relativo. O mal engana, alicia, perverte, aponta subterfúgios, justificativas. O bem é radical. O bem arranca os cogumelos venenosos, corta os brotos da vaidade e do egoísmo, sana com dor. O bem é capaz de responder com um sonoro “não” a tudo que nos prejudique ou que roube nossa paz. Dizer esse “não” é a verdadeira liberdade. Parece mais fácil escolher o mal.
Viver acima das circunstâncias do Bem e do Mal seria possível? Na letra da canção francesa “Je ne regrette rien” ( “Não lamento nada”), magnificamente interpretada por Édith Piaf (1915-1963), ela mesma uma artista de vida tempestuosa e sofrida, nem o bem, nem o mal que lhe fizeram importavam. Tudo lhe parecia igual. Tudo fora pago, varrido, esquecido no
passado, tanto as mágoas quanto os prazeres. Restaria apenas a força de recomeçar do zero com uma nova pessoa, um novo ideal, uma nova esperança. Sim, é belo recomeçar do zero.
Escrevi:
O BEM E O MAL
O bem é ser livre
E voar muito além dos pinheiros da montanha.
O mal é ser cativo
E ter os olhos de pássaro cegos por agulhas.
O bem é ser jovem
E conquistar com passos decididos a estrada do ideal.
O mal é ficar velho de repente
E fazer um triste inventário de mágoas.
O bem é ser semente
E fecundar de palavras o vento e a terra.
O mal é ser solo estéril
E não poder estalar de arroz e mistérios.
Como é árduo escolher o bem.
Voar pode ser extremamente perigoso,
Melhor ficar cego às verdades mais simples.
Como é difícil escolher o bem.
O ideal é chama que se apaga,
Melhor ficar velho diante da própria impotência.
Como é amargo escolher o bem.
A terra se cobre de ervas daninhas,
Melhor ficar calcinada do silêncio do deserto.
Mas se escolhermos o mal,
Não veremos nunca a paisagem além da montanha,
Não teremos o coração rejuvenescido no doce ideal,
Nem provaremos o alimento capaz de nutrir nossas
Entranhas mais profundas.
O bem é tão radical que muitas vezes as pessoas que procuram vivenciá-lo parecem más, intolerantes, intragáveis no seu esforço de fé, de caridade, de prudência, de justiça, de fortaleza e temperança.
Agora, alvo de chacotas, acusações e incompreensão generalizada, são aquelas que ainda crêem no valor da pureza, da inocência da alma, do respeito ao outro como templo de Deus. O que importa é que Deus livra os puros das ciladas do mal e os aproxima dos conselhos e consolos dos anjos.
Embora com isso possa parecer antiquada, fora do tempo, peço-te, Senhor, dá-me forças, a mim, pobre pecadora, para viver uma vida limpa e santa, unida a Ti, eterno Bem.