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Raquel Naveira

Quantas vezes ouvi que eu era distraída, que andava com a cabeça nas nuvens, absorta em estranhos pensamentos. Estou mesmo debaixo das nuvens: algumas altas como cirros de gelo, outras mais baixas, numa arquitetura móvel de ondas levadas pelo vento fraco. De onde vieram, tão confusas e indefinidas? Do oceano? Da serra azulada? De alguma ilha ou fonte? São concretas, quase posso tocá-las, nesta tarde de verão.

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Os poetas simbolistas foram chamados de “nefelibatas”. Cultivavam o vago, o aéreo, o oculto, o mistério, a ilusão das névoas e dos véus de noiva. Nefele foi uma nuvem mágica à qual Júpiter deu o aspecto da deusa Juno para enganar e punir o rei Ixião, um traidor incorrigível por natureza, que a desejava. Não era mulher, era nuvem em forma de mulher, mas daquela posse abrupta, gerou os centauros, que cavalgaram loucos pelos campos.

O poeta nefelibata foge do mundo para as nuvens que deslizam pelo céu. Talvez por isso Charles Baudelaire (1821-1867), em seu livro póstumo, Le Spleen de Paris, que reuniu movimentos líricos, pequenos poemas em prosa, escreveu em “O Estrangeiro” que não amava pai, mãe, irmã ou irmão, nem amigos, palavra cujo sentido lhe era obscuro; que ignorava a latitude em que estaria situada a sua pátria; que não se rendia à Beleza ou ao dinheiro; que a única coisa que amava eram as nuvens, as nuvens que passavam lá longe, muito longe, maravilhosas. Que incrível a realidade do peregrino que uiva para o infinito; que se recusa ao apego e à ligação com a matéria e foca no anseio de sua alma pela amplidão.

Já o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) assiste ao espetáculo da falange das nuvens maciças que se avolumam do lado das montanhas de Minas Gerais e afirma: “O poeta é um insubmisso e o mais são nuvens.” O poeta nunca se molda à injustiça. Mesmo nos poemas mais românticos existe um substrato social, um inconformismo com a realidade que o cerca. Na opressão, ele se lança no que há de mais imaginoso: a fantasmagoria das nuvens, com suas possibilidades de madrugadas, crepúsculos, tempestades, relâmpagos, arco-íris.

Foi assim com o profeta que viu uma nuvem, do tamanho da mão de um homem, levantando-se do mar e acreditou que viria a chuva, derramada e copiosa. Uma nuvem negra, perfeita para provocar o espanto e o caos.

Às vezes, de tão descuidada que sou, uma nuvem enche a minha casa, o meu ser e habito nela como na própria glória. É tudo rápido e intenso. Se não fosse breve, eu não poderia suportar. Logo ela se afasta e eu choro muito.

Olho para as nuvens. Estão espessas.. Vejo um homem sentado nelas com uma coroa de ouro e uma foice afiada nas mãos. Brilha, reluz, mas pode ser efeito do sol. De repente, voa em minha direção. Alguém então me puxa pelos cabelos e diz que eu não ande assim distraída, com a cabeça nas nuvens.