REDONDO era seu nome.
Um Burro de pelagem castanha, manso e de olhos tristes. Assim me lembro dele. Meu irmão João contou que ele nascera muito antes de minha chegada ao mundo. Morreu de velhice. E meu pai adquiriu outro muar, necessário para o duro labor da roça. Eu tinha uns seis anos quando Redondo morreu.
O seu sucessor, RELÓGIO, tinha pelagem negra e força juvenil impressionante. Quando meu pai vendeu o sítio em junho de 1959 (ele o comprara 35 anos antes - em setembro de 1924), todos os animais ficaram com o novo proprietário. Eu tinha quase 13 anos e chorei ao me despedir dos habitantes do sítio.
Conversei com o Burro, que pouco caso fez de mim. Limitou-se a murchar as orelhas e com o rabo espantar moscas! Conduta típica de Burro.
A conversa com os porcos no chiqueiro foi ruidosa. Eram umas vinte cabeças preferindo grunhir e reclamar mais milho no cocho.
O papo com as galinhas foi mais ameno, sobretudo com o chefe do terreiro, o majestoso galo índio, que eu apelidara de Tunísio.
Conversa boa tive com as árvores. Fileira de pés de Pera, os pés de mangas - Espada, Bourbon e Coquinho; a Jabuticabeira imensa. Conversar com as árvores e com as flores... Aprendi com mamãe!
Os dois cães levamos com a gente. Joly e Pery. Também a gatinha Sapeca e seu irmão Mimoso, que logo fugiria de casa regressando para o sítio. Desde a época se dizia que gato se apega mais à casa e menos ao dono!
Na gaiola de arame liso eu trouxe meu periquito australiano, azul céu e pintinhas escuras. Era uma graça.
Minha vida mudou bastante no antigo Bairro da Estação. Chegamos terça-feira e já na quinta meu irmão Toninho arrumou um trabalho para mim na oficina Romanatto. Meu irmão Arlindo chiou. “O menino precisa estudar, não leva jeito pra mecânico”! Ele tinha razão. Um ano depois minha irmã Maria Elena e eu passamos no “exame de admissão” e fomos estudar no Regente, ginásio noturno. Continuamos a trabalhar durante o dia. Ela, no escritório da “Família Limongi”, representante da Antárctica na cidade e eu, na Serraria Santana, “Família Simão”, Rua Paula Souza, 118, fone 144.
Sentíamos enorme satisfação em ajudar no sustento da família: nós dois, papai, mamãe e vovó – mãe de mamãe! Éramos felizes. Muito, mesmo! Descobriria isso depois, ao compreender a exata dimensão da frase lapidar do saudoso Papa João XXIII: “Nasci e vivi numa pobreza satisfeita”!