Todos os dias, no centro de um enorme jardim, no fim da rua daquela cidade do interior, dois olhinhos de jabuticaba espiavam por entre as folhagens, enquanto duas crianças brincavam: O menino, com sua bola colorida; A menininha com sua boneca de tranças. Ali ficavam horas e horas, esquecidos da vida, cada um no seu próprio mundo.
Há alguns meses, seus pais disseram que iriam viajar e que não sabiam quando voltariam. Na realidade, o pai havia levado a esposa para a capital, um lugar maior e mais apropriado para tratar de sua saúde. Sim, a mãe das crianças estava muito doente. Porém, o pai, para poupá-las, não lhes contara nada.
Contrataram uma pessoa para cuidar delas, até que voltassem.
Assim, os dias foram passando. Por mais que as crianças perguntassem sobre seus pais, só recebiam a mesma resposta: Que eles logo voltariam...
Após alguns meses, as crianças, antes tão alegres, foram entristecendo. A única distração era a brincadeira no jardim...
Um dia, estando elas no mesmo lugar, lá fora, ouviram estranho barulho por entre as folhagens. Curiosas, lá se foram a procura do que se tratava. Procura daqui. Procura dali, eis que se depararam com estranha criatura. Era pequena, bem pequena. Trajava calça azul, presa no tornozelo por um aro de metal brilhante. A blusa ou camisa era amarela e reluzente. Seu cabelo liso pendia por entre as abas de um chapéu em cone, marrom. As mãos eram grandes, pontiagudas com quatro dedos em cada uma! A boca pequena, alaranjada com dentes diminutos. Mas o que chamava a atenção eram os olhos: Grandes olhos da cor da jabuticaba! Olhos vivos, atentos, que giravam rapidamente de lá prá cá!
Quando se defrontaram, isto é, quando as crianças ficaram frente a frente da estranha criatura, todas deram um salto para trás. Estavam assustados, bem espantados!...
Após o primeiro momento, foram se aproximando bem devagar, passo por passo, cada um analisando o outro. Olha daqui. Cheira dali...
Depois, fizeram as apresentações, até porque naquele jardim tudo parecia mágico: As árvores, a grama, as flores, o vento a soprar: balançando os ramos graciosamente; as borboletas esvoaçando: formando bandos de peregrinação de flor em flor; tudo tinha um colorido especial, provocando sensações de prazer e de muita magia!
A criaturazinha disse estar ali por um chamado do governante do seu povo. Disse que morava naquele jardim, porém numa outra dimensão! Que seu nome era... Bem, na verdade, ele não disse como se chamava. Simplesmente pediu às crianças que lhe desse um nome qualquer. Pois, quando não estava em seu mundo, ou seja, quando passava para outra dimensão, haveria de ter outro nome. Assim deveria ser, pois era uma das regras do lugar em que morava.
As crianças, intrigadas, queriam saber mais sobre o mundo dos olhinhos de jabuticaba. Aliás, já que os olhinhos atraiam tanta atenção, eles resolveram chamá-lo assim: Olhinhos de Jabuticaba!
Ele ficou muito feliz, pois foi a primeira vez que recebeu tal apelido.
As crianças também disseram seus nomes e contaram que já fazia muito tempo que os pais haviam partido para a cidade grande e que ainda não haviam voltado! Que estavam preocupados e achando estranha aquela situação; E que estavam sendo cuidados por uma babá.
Olhinhos de Jabuticaba, que na verdade estava ali para ajudá-los – porém, eles não podiam saber -, ouviu toda história com atenção. Ao final da narrativa, fez uma proposta:
Disse para acompanhá-lo, pois do outro lado daquelas folhagens tinha uma linda carruagem que os levaria até aos seus pais!
Maravilhados com tal promessa, as crianças correram à frente até o local indicado. Na realidade, não viram a carruagem, mas um carro brilhante, envolto por uma nuvem branquinha e cheirosa.
Felizes, já sorrindo, como há muito não o faziam, entraram. Tão logo adentraram o brilhante veículo, este se pôs em marcha como que por um milagre, eis que não se via condutor algum!
Durante o caminho, as crianças foram avistando paisagens bem diferentes das que estavam acostumadas. Viram grandes pássaros carregando pessoas de um lugar para o outro. Plantações de flores gigantes, de cor púrpura entremeadas com pequenas borboletas douradas; bichos felpudos, mansos e sorridentes a brincarem. Tudo exalava harmonia! Alegria! Abraços! Sorrisos!...
Até que chegaram a um lugar de múltiplas janelas, grandes e brancas, no qual todos os que por lá circulavam estavam vestidos com roupas alvas e uma espécie de chapéu, também branco!
Logo que transpuseram a entrada, um longo corredor, bem iluminado, os levou a um quarto, onde, sobre uma cama, repousava sua mãe! Ela estava dormindo e à sua volta eles puderam ver que volitavam anjos: anjos fofinhos e sorridentes que emitiam uma canção que preenchia o ambiente com suaves notas musicais, provocando muita calma e gostosa sensação de bem estar...
As crianças não se alarmaram. Pelo contrário, estavam calmas e felizes. Somente um tempo depois é que avistaram, a um canto, numa cadeira reclinável, seu pai a dormir com a expressão tranquila. Sequer esse ou a mãe se deram conta das presenças dos filhos.
Tudo foi muito rápido, mas trouxe paz às crianças, que iniciaram a viagem de volta para casa, mais aliviados!
No dia seguinte, ao se levantarem, correram para o centro do jardim. Mas não avistaram Olhinhos de Jabuticaba, por mais que procurassem. Assim foi no dia seguinte até o final da semana quando, de manhã, ao se dirigirem para a mesa do café, viram que, finalmente, seus pais ali estavam conversando, rindo, bem felizes!
Somente muitos anos depois é que se deram conta que Olhinhos de Jabuticaba foi um anjo enviado por Deus para alegrar suas vidas naquele momento tão difícil...
Frances de Azevedo / 03/05/2016