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Ela não acreditava que estivesse passando por tudo aquilo novamente. Frances de Azevedo 1 25820

As bombas, ao longe, pareciam irreais. À volta, casas destruídas.

As flores... Flores?!

Ah, como tudo era lindo!

O lugar onde morava era afastado da cidade. As casas: de pedras; tão comum na região! Com suas janelas abertas de par em par, o dia todo!

A sua ficava num lugar alto, onde dava para avistar quase toda a cidade.

Ao derredor, um magnífico jardim. Era o sorriso perene a dar as boas vindas à todos quantos se aproximavam!

Não tinha quem não conhecesse a “vivenda azul”, que ficava lá na colina, do lado norte.

Azul, por suas portas e janelas!

Azul, pelas hortênsias, tão azuis!

Azul, pelos olhos da filha primogênita dos donos da casa!

Era ela que sempre abria as janelas, mal o dia despertava. Na última, ficava a olhar o horizonte, perscrutando-o, minuciosamente, como a procurar algo que não sabia bem o que era. Depois, fixava-se mais para o centro da paisagem para, finalmente, se deter no jardim da frente da casa.

Como era primoroso! Com vários tipos de flores. Inclusive, campestres. Tão resistentes! Era um tapete colorido, sobressaindo-se, todavia, as hortênsias azuis! Tão redondas, bem maiores e abraçadas umas às outras...

Adorava vê-las!...

Um dia, porém, não se recorda muita bem, sequer houve tempo de abrir as  janelas, as suas janelas: todos correram rua abaixo.

Sua família, desarvorada, foi se unindo aos outros que corriam, corriam...

Seu irmão mais velho estava sem o costumeiro boné. Nos braços, trazia o cão, com olhar assustado.

Seus pais, de mãos dadas com a filha menor, lá se iam apressados...

Todos procuraram refúgio no subterrâneo da igreja. Era antigo, datava antes da construção desta. Mais de três séculos! Era todo de pedra, com diversos corredores que convergiam para um grande salão, bem lá no fundo...

Já ia a meio do caminho, quando se lembrou que não estava com seu cordão: aquele que continha o retrato de sua mãe.

Num impulso, retrocedeu. Subiu a ladeira, ansiosa. Os pensamentos se avolumavam. Finalmente, chegou à casa.

Foi direto para o lugar onde sempre o deixava. Contudo, não logrou encontrá-lo.

Foi quando, então, ocorreu outro estrondo. Mais forte.

Bem depressa, dirigiu-se ao banheiro. Lá estava o amado objeto sobre a pia.

Colocou-o, num instante, dirigindo-se à saída.

Já densa e negra fumaça dominava a paisagem no horizonte, encobrindo o sol matinal...

Solitária, iniciou a descida. A princípio, lentamente, aparvalhada com tudo aquilo, não acreditando em tal atrocidade.

Deu uma última olhada para sua casa, onde, lá, as flores ficaram órfãs...

Quando se aproximou da vetusta igreja, sentiu uma forte mão puxá-la para dentro.

Gritou, acordando com o próprio grito!

Tudo, felizmente, não passara de um sonho. Um sonho recorrente.

Há tempo, tal sonho se repetia.

Contudo, este fora diferente, pois trazia preso ao pescoço aquele precioso cordão!...

                                                          

 Frances de AzevedoCadeira 39 da ACL