(Palestra Proferida na Casa do Poeta de São Paulo, em 10 de Janeiro de 1967,em memória a Walt Disney, pelo seu passamento em Dezembro de1966).
Talvez numa dessas noites, em que estrelas cadentes desfalecem de amor pela alcova do infinito e que trazem a Terra mensagens que prenunciam acontecimentos felizes, nascia em Chicago, em 5 de dezembro de 1901, Walter Elias Disney, que mais tarde, o mundo todo conheceria por Walt Disney!
Deus e a natureza esculpiram a sua alma com a mesma sutilidade em que se pousa a rosa jovem num vaso de cristal.
Desde muito cedo, o destino se lhe apresentara como a face cruel do bicho-papão. Sim, porque naquele físico pequenino de criança de oito anos e naquele coração infantil e puro não existiu a infância.
Às três e meia da madrugada, todos os dias, o menino Walter já estava trabalhando, antes do sol, antes de todos, antes das multidões que invadem as ruas, vendendo jornais dentro do inverno que lhe enregelava os ossos, ou da chuva que lhe empastava na fronte os cabelos ensopados.
Em vez do berço quente, em vez dos afagos maternos, em vez da bola ou dos brinquedos, Walter, no mundo dos homens, vendia jornal e isto foi toda a sua infância, dos oito aos catorze anos!
Com o sono a narcotizar-lhe a memória, Walt Disney conseguiu apenas cursar o primário. Porém, a fome pela cultura transformou-o depois num autodidata. E assim, aprendendo e vivendo com os gênios, como gênio era, atravessou sua infância entre as calçadas intermináveis e o peso dos jornais.
Havia desde então o perfil encantado que podemos chamar de uma feliz coincidência do Criador da natureza, pois que aquele menino, pobre e humilde, era filho a de um carpinteiro, e logo nos vem à mente todo amor e todo drama de um carpinteiro que um dia construiu um mundo novo para um velho mundo.
E Walt Disney foi quase assim. Cresceu em idade, e seu talento, que então despontara no seu coração, fê-lo tornar-se maníaco pela fotografia que, aliada, principalmente, ao desenho, haveria de abrir-lhe esplendorosamente as portas da glória.
E assim sendo, desenvolveu suas geniais aptidões e partiu em busca de um ideal na fabulosa e babilônica Hollywood!
Ao estourar então a guerra, tenta se alistar no exército onde é recusado, devido sua pouca idade. Um pouco mais tarde, porém, consegue embarcar para a Europa como motorista de ambulância.
Depois do armistício, regressa para os EUA e conquista um emprego numa empresa de publicidade, fazendo, em horas vagas, desenhos para publicações rurais.
Entusiasmado com o êxito aí obtido, decide iniciar vida por conta própria e sonha dedicar-se ao desenho animado, pois sentia nele um futuro risonho e promissor.
Produziu então os primeiros desenhos animados, que contavam estórias de fadas e que eram vendidos a uma firma de Nova York. Mas a sorte não lhe ajuda ainda, pois que essa firma entra em falência. E Walter Elias Disney, sem desanimar ou se abater, arruma as malas e volta a Hollywood, conquistando ali sucessos e desilusões ao mesmo tempo.
Contudo, aos poucos, vai se firmando, até que consegue fundar, com seu irmão Roy Disney, o modesto Disney Studio.
Daí para cá, a sorte começa a lhe sorrir: casou-se em 1925 com uma de suas auxiliares: Lillian Bounds que lhe presenteou com duas lindas filhas!
Inicia a produção de uma série de filmes sobre Oswaldo, o Coelho, de 1927 a 1928, e no fim do mesmo ano criava o personagem que lhe valeria os píncaros da glória e do conhecimento Universal: Mickey Mouse que surgia na época em que o cinema começava a ser falado.
Não só amava Walt Disney a Mickey pelo que ele era, como também porque traduzia fielmente sua própria personalidade!
E, em 1932, não havia uma parte do mundo sequer que não ouvisse falar ou não conhecesse Mickey Mouse. Nessa ocasião, enlevado pela fortuna e pelo sucesso, transforma o modesto Disney Studio no fabuloso Walt Disney Prioductiolns e prossegue nas suas películas, apresentando o seu primeiro filme colorido: Flores e Árvores, seguindo-se: A Vaca Clarabela, Horácio, Pateta, Pluto, o Touro Ferdinando. Nesta altura, recebe seu primeiro OSCAR, com o filme A Lebre e a Tartaruga ,em 1934, e continua na fabulosa ascensão que se multiplica em novo sucesso, quando surge a criação de Os Três Porquinhos, Os Gatinhos Órfãos e, coroando, magistralmente, o trono maravilhoso dos seus encantamentos, nasce o Pato Donald que, pela personalidade, chegou a comprometer o próprio Mickey!
Já então era Disney dono de um mundo particular: o coração das crianças do mundo inteiro e a admiração e carinho de toda a humanidade partilhavam também do seu mundo de amor e ternura. Pois Mickey e Donald eram os símbolos de um universo profundamente humano que as crianças tinham às mãos em forma de brinquedo, mas no coração em forma de encantamento!
Mas Disney não para: desembolsa dois bilhões de dólares na sua próxima criação: Branca de Neve e os Sete Anões, que lhe veio trazer um novo OSCAR e nova consagração!
Depois produziu: The Three Orfans Kittens, em 1935; O Primo da Roça, em 1936; The Country Cousin e The Old Mill, em 1937. Além desses filmes, apresentou ainda curtas metragens e filmes humanos e emocionantes, sempre baseados na sutileza dos sentimentos de amor e de bondade, que encantam e sublimam!
Destacamos entre suas produções de filmes e enredo: Canção do Sul e sua última criação, Somente os Francos se Rendem.
Como se não bastassem tudo isso, o gênio Disney cria, num mundo seu, de 64 hectares, a fabulosa Disneylândia, com 25 divertimentos especiais e 47 grandes atrações, onde existe a historia da Terra nos seus primórdios até ao embarque em foguetes espaciais com desembarque na lua!
Assim é o mundo que Disney nos legou: Uma jóia de amor em cada coração, uma bondade oculta em cada palavra.
Revela-se sua bondade na empresa que fundou, pois a Walt Disney Productions emprega seus colaboradores e funcionários há 10, 20 e 40 anos, bastando dizer que o encarregado do setor das relações públicas, ainda trabalha hoje com os seus 75 anos de idade e com tanto amor, que Disney não o aposentou, pois sabia que isso seria para ele, inevitavelmente, o fim!
A harmonia familiar era também tão perfeita, que conviveu com sua esposa por mais de 40 anos, dedicando-lhe amor jovem e eterno, distribuído igualmente entre suas filhas e netos, por quem tinha verdadeira adoração e loucura, a par e passo com seu irmão Roy Disney, que é, a um só tempo, sócio, conselheiro e banqueiro. Em resumo: tudo! E a sua empresa não inclui estranhos, pois é repartida proporcionalmente em seu capital a todos os membros da família. Em todo o tempo em que ela existe, só se conhece um funcionário que foi mandado embora, pois ofendeu Mickey.
Eis, pois, um exemplo de amor!
Alguns criticavam Disney por não professar uma religião, o que de fato parece incoerente. Mas ele não precisava da religião, pois já a tinha no amor. O amor era a sua religião: amor à natureza, aos animais, às crianças, ao ingênuo, ao divino. Enfim, um grande amor bordado em ouro, no mais oculto da alma, que o cérebro criado por Deus derramava profusamente no talento, na simpatia, na vida. Talvez, o próprio Deus o dispensasse dela, pois amar não é porventura religião?
E ainda como obra final de sua genialidade e admiração à nobreza do espírito humano, despendeu Disney, onze anos de sua vida na criação de um robô, que é o próprio Abraham Lincoln ressuscitado, que levanta, pisca, sorri, pigarreia e profere uma palestra, falando de liberdade. A emoção de rever naquela imagem o próprio homem é tal, que é difícil conter as lágrimas. E tudo isso por causa de um Disney, que a vida efêmera levou de nós. O poeta da tela, o poeta da natureza. O amor na sua forma sintética e a pureza na sua forma divina.
Mas os homens passam e seus feitos permanecem!
Disney, fostes mais que um homem, fostes um símbolo! E poucos, caro Disney, tiveram a ventura de ser amado e querido com o eras, por todos os povos de todas as raças, de todos os continentes, sem fronteiras, sem cor e mesmo sem liberdade!
Recebestes por tudo isso, noventa prêmios internacionais e, inclusive, o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de Yale e de Harvard.
Conquistastes todos, Disney, porque a humanidade só se conquista com amor.
E quando o Mundo necessitava de liberdade numa guerra atroz, essa foi decidida, definitivamente, quando se pronunciou o nome de Mickey Mouse, eis que era a senha para a invasão da Normandia, por onde os aliados venceram a guerra. E Mickey comandou os exércitos, e com ele veio a paz!
As sementes que plantastes, o legado incomensurável que aqui deixastes, serão a lembrança imorredoura da vossa memória, cantando amor por toda a parte e reinos de fadas em todos os corações!
Quem pode esquecer-te?! Quem pode deixar de vê-lo no Pato Donald, no Mickey, na vaidosa Minie, no obtuso Pluto: o trapalhão perfeito; na avareza cômica de Tio Patinhas, ou nas peraltices dos sobrinhos, na doçura de Bambi, nas confusões do Pateta, nos passeios de Peter Pan, na personalidade do Zé Carioca?
Que pena que não existam Disneys para que pudessem, eles mesmos, os filhinhos queridos da vossa genialidade levarem-te à morada eterna, num pranto dolorido e sem consolo!
Mas eles choram Disney. Choram nos olhos de todas as crianças e na alma de todos os adultos. Choram com o Bambi meigo das florestas e com todos os personagens que vieram de ti, para povoar de encantamento o mundo atômico dos homens e a vida fria das cidades.
E agora que partiste, Disney, a alegria transformou-se num adeus e a natureza em despedida.
Aí, estão, todos para você, todos nós: os Donalds do Mundo, os Sobrinhos, os Patetas, os Patinhas, de mãos dadas, irmanados na dor.
Esteja tranquilo, Disney amigo, tu semeaste todos os campos: os jardins amenos, as terras férteis e os desertos estéreis.
E a estrela cadente da noite distante voltou a brilhar para sempre no céu do Senhor, levando consigo o colar de lagrimas das crianças puras e o adeus comovido de cada coração...