Gente desarmada é incapaz de dar um golpe; trata-se de exagero ideológico
Atresloucada invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília, no último dia 8 de janeiro, merece uma reflexão desapaixonada e não ideológica dos governantes, nas três esferas da Federação, dos formadores de opinião e da sociedade.
Em primeiro lugar, qualquer pessoa de bom senso rejeitou, evidentemente, aquela multidão de pessoas desarmadas que invadiuas sedes do Legislativo, Executivo e Judiciário, depredando algumas de suas dependências.
A primeira observação, portanto, é que foi um gesto lamentável que em nada beneficia a democracia, que se caracteriza sempre pela discussão de caminhos políticos entre posições divergentes dos cidadãos.
A segunda reflexão, porém, é sobre considerar que aquele movimento foi a tentativa de um golpe. Um golpe de Estado se dá com armas e, na invasão, não havia gente armada capaz de enfrentar os guardiões dos detentores do poder. Muitos deles eram velhos e jovens descontentes com o respeito que as Forças Armadas têm às instituições ao mostrarem-se fieis aos resultados das eleições que, por pequena margem de votos, deram a vitória ao presidente Lula sobre o ex-presidente Bolsonaro, apesar de dois meses de apelo junto aos seus quarteis com vigílias de 24 horas. Gente desarmada é incapaz de dar um golpe de Estado, razão pela qual chamar de golpista o movimento parece-me mais um exagero ideológico que o retrato da realidade, visto que bastou algumas centenas de soldados, sem nenhum derramamento de sangue, para encerrarem o "decantado golpe".
A terceira linha de raciocínio é a de que o Congresso brasileiro, quando Michel Temer era presidente, foi invadido e depredado por uma multidão menor — também desocupado por mais de uma centena de militares — e constituída, então, por membros da esquerda brasileira, sem que ninguém tenha sido considerado golpista. Aliás, este é o modo pelo qual o presidente Lula se refere ao ex-presidente Temer, mesmo este tendo sido eleito em rigoroso cumprimento da Constituição (artigos 85 e 86) — sem que seja tal fake news inserida no inquérito que se encontra no gabinete do ministro Alexande de Mores, na busca de uma conformação jurídica do que sejam as denominadas "notícias forjadas fora do contexto".
Neste ponto, como modesto e senil professor de província, entendo que tal conformação deveria vir do Legislativo, não do Judiciário. Curvo-me, porém, perante quem tem o poder de impor sua exegese.
A quarta reflexão é de que o conceito de democracia, que é a vontade do povo de conduzir o destino de seu país, não deve ser imposto pelo Executivo, com órgãos destinados a controlar as manifestações da população, mas sim por representantes legislativos da sociedade. Sou parlamentarista desde os bancos acadêmicos e entendo que, nos Parlamentos, encontra-se a totalidade da representação nacional, pois 100% de seus membros conformam situação e oposição e, portanto, são eles os que devem definir a democracia que desejam, sem cerceamento de sua liberdade de expressão.
Como última reflexão, convém lembrar queAristótelesdividia o exercício do poder em três formas boas e três ruins. A melhor de todas era a monarquia, com um só homem bom no poder. Depois, a aristocracia, caracterizada pelo conjunto de homens bons e, por fim, politia ou timocracia, em que o povo era conduzido por seus representantes que pensavam mais na sociedade do que em si. Já as três formas ruins eram: a democracia, que, embora seja a menos ruim, os representantes do povo pensavam mais em si do que no bem comum; a oligarquia, pior ainda, em que os poucos detentores do poder só pensavam em si; e, por fim, a pior das todas, que era a tirania, com um déspota pensando apenas no poder e em si mesmo ("Ética a Nicômaco").
Às vezes, vale a pena visitarmos os clássicos.