Slide
  • Fonte: Geraldo Nunes

Neste 2023 está sendo lembrado o passamento de Ruy Barbosa, ocorrido em 1º de março de 1923, portanto, há 100 anos. Jurista, parlamentar e diplomata, entre outras atribuições, seu nome pode e deve ser classificado entre os maiores brasileiros ao longo da história, graças à sua inteligência acima da média e ao discurso profético apresentado ao mundo durante, a Conferência pela Paz, em Haia, na Holanda de 1907.

Rápido no aprendizado escolar passou a impressionar seus professores já durante a infância, deixando neles a certeza que seria uma pessoa diferenciada das demais na vida adulta. Assim que completou 5 anos de idade ingressou no curso primário e aprendeu a ler, escrever e conjugar verbos regulares em poucas semanas. Com 10 anos recitava Camões, aos 15 discursava em público e se necessário conversava em várias línguas.

Aprendia tudo muito antes que os demais alunos e, como já não havia escolas no Brasil para o seu grau de capacidade, passou a estudar alemão até obter idade suficiente para ingressar na Faculdade de Direito, que passou a cursar assim que completou 17 anos. Nem por isso na vida adulta escapou das intrigas e contradições tão comuns em nossa política sempre cheia de acusações, nem sempre fundamentadas.

Quando se fala em Ruy Barbosa, as discussões começam a partir da escrita de seu nome: Muitos escrevem com I - inclusive a Fundação Casa de Rui Barbosa -, mas em vários documentos seu nome aparece escrito com Y. Afinal, Rui Barbosa se escreve com I ou com Y? Se o que vale é a certidão de nascimento, o nome completo registrado em cartório está com a letra Y: Ruy Barbosa de Oliveira. A polêmica entre “Rui” e “Ruy” tem a ver com as reformas ortográficas da língua portuguesa ocorridas em 1943 e 2009.

Na primeira reforma se aboliu do alfabeto as letras K, W e Y e nessa última, se voltou a admiti-las em algumas situações, entre elas os nomes próprios. Neste artigo, de agora em diante, escreveremos o nome do jurista, escritor, poeta, diplomata, jornalista, político e tribuno brasileiro com a letra “Y”, muito embora saiba que irei contrariar alguns puristas do nosso vernáculo.

 

Ruy Barbosa nasceu em Salvador – Bahia, em 5 de novembro de 1849, em uma família de políticos. Seu pai, João José Barbosa de Oliveira era médico e foi deputado provincial. Sua mãe, Maria Adélia, dona de casa, fabricava doces para serem vendidos e assim ajudar no orçamento familiar, visto que naquele tempo o exercício da medicina não era tão lucrativo como agora. Preocupado com a educação dos filhos, João José quase não permitia que o menino Ruy e a irmã brincassem, por isso teve uma infância triste.

Ao ingressar na Faculdade de Direito do Recife conheceu o poeta Castro Alves seu colega de turma. Durante uma aula, os dois se desentenderem com um professor na sala de aula e decidiram se transferiram para São Paulo, em 1868, e passaram a estudar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Aqui se deram bem com os novos colegas que os convidaram para integrar o “Ateneu Paulistano”, grupo literário presidido pelo também estudante de Direito, Joaquim Nabuco, ferrenho defensor da Abolição da Escravatura. Outro estudante que se tornou amigo de Ruy Barbosa foi Luiz Gama, um mulato também nascido na Bahia, filho de escrava com um português que o vendeu para um senhor estabelecido em São Paulo de quem anos depois, obteve alforria. Juntos fundaram, em 1869, o jornal “Radical Paulistano”, cujos exemplares estão preservados em boa parte no Arquivo do Estado.

Bacharelado em Direito, Ruy Barbosa voltou para Salvador e lá, na condição de jornalista, profissão da qual gostava de ser chamado, foi redator-chefe de um grande jornal da época, o “Diário da Bahia”. Na capital baiana casou-se, em 1876, com Maria Augusta Vieira Bandeira, que o incentivou a ingressar na política. O casal teve cinco filhos, três meninas e dois meninos. Todos ganharam o sobrenome “Ruy Barbosa”, daí o fato de seus descendentes que fazem parte do meio artístico de nossos dias, ostentarem este sobrenome completo, como é o caso da atriz global Marina Ruy Barbosa.

Ingresso na política

Em 1877 foi eleito deputado provincial pela Bahia e no ano seguinte concorreu a deputado geral. Eleito mais uma vez, se transferiu com a família para o Rio de Janeiro. Logo no início de sua atividade parlamentar propôs uma reformulação completa do ensino. Sua proposta foi considerada excelente pelos demais deputados, mas impossível de ser colocada em prática. O índice de 82,3% no total de analfabetos, deixava o Brasil em posição desconfortável e, de lá para cá, até hoje, nosso país ainda não conseguiu eliminar por completo o analfabetismo.

Ruy Barbosa 1 a15db

Republicano e Abolicionista

Defensor das ideias liberais, além de abolicionista, Ruy tornou-se republicano. Da tribuna sugeria a transformação do Brasil em uma federação de províncias autônomas e acrescentava; “com ou sem coroa”. Em meados de 1889 publicou em um jornal carioca, artigo violentíssimo contra a monarquia. Meses depois, após a Proclamação da República, Benjamin Constant, que deu apoio à queda do imperador, disse em bom tom: “Foi o artigo de Ruy Barbosa que derrubou o Império”.

Homem de confiança do marechal-presidente, Deodoro da Fonseca, Ruy mandou queimar toda a documentação relativa à escravidão no Brasil e sua atitude recebeu críticas da imprensa e dos historiadores. Acontece que 11 dias depois da queima, houve o ingresso na justiça, por parte dos senhores de escravos, de uma ação coletiva que exigia indenizações do novo governo pelos prejuízos causados com a perda dos escravos. Sem documentação para provar o que diziam, a ação judicial dos antigos senhores de escravos não seguiu adiante e, neste aspecto, os méritos cabem a Ruy Barbosa.

De redator da Constituição ao descrédito do “encilhamento”

Outro mérito foi o de ao lado do futuro presidente, Prudente de Moraes, então parlamentar, Ruy Barbosa redigir praticamente sozinho, a primeira Constituição brasileira do período republicano, que vigorou durante 39 anos, de 1891 a 1930. Escolhido por Deodoro para ser seu ministro da Fazenda, Ruy implantou o polêmico pacote econômico, chamado pela imprensa da época de “encilhamento”, uma alusão ao rebuliço que acontece quando os cavalos são encilhados antes da largada de um páreo. uma corrida de cavalos, quando os animais são encilhados lado.

Como havia pouco dinheiro em circulação e não tínhamos ainda o Banco Central, foi autorizado aos bancos para que eles mesmos emitissem papel moeda, mesmo sem o lastro correspondente em ouro e deste modo se movimentar a economia. Tal medida favoreceu a especulação e o resultado fez a inflação explodir. Pressionado, Ruy Barbosa pediu demissão do cargo de ministro da Fazenda e viajou para a França. Antes, ainda em sua gestão, criou-se no Brasil o mercado de capitais e com ele surgiu a Bolsa de Valores de São Paulo, sem leis regulamentares que deram margem aos aproveitadores para criarem empresas de fachada que colocaram ações à venda sem nenhuma garantia de patrimônio. As más línguas acusaram Ruy Barbosa de ter permitido a festa dos especuladores, por ser sócio de uma dessas empresas fachada, tendo lucrado com as irregularidades. Pouco tempo depois, foi a vez do Marechal Deodoro renunciar ao cargo de presidente.

Em Paris, Ruy Barbosa encontrou-se com D Pedro II no exílio, a ele proferiu a frase: “Majestade perdoe-me, eu não sabia que a República era assim!” Mesmo na Europa lançou-se candidato, em 1897, à sucessão de Prudente de Moraes; a Constituição daquele tempo permitia esse tipo de candidatura. Ruy não foi eleito, ficou na quarta colocação daquela eleição vencida por Campos Sales. Este, para equilibrar a economia ainda devastada pelo plano do encilhamento, obteve um empréstimo de 10 milhões de libras esterlinas e colocou as contas do país nos eixos.

De volta ao Brasil, Ruy Barbosa se elege senador em 1900, cargo que ocuparia durante 23 anos. Foi o senador mais vezes reeleito na história do Congresso Nacional, ao lado de José Sarney.

A redenção de Ruy Barbosa

1907, é o ano da Segunda Conferência pela Paz, em Haia, cujo objetivo era criar uma liga de nações para julgar crimes de guerra na tentativa de se evitar novos conflitos. Convocado por José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, Ruy Barbosa liderou a comitiva de representantes do Brasil neste encontro.

Ao ser chamado para discursar, despertou curiosidade nos presentes por causa de sua baixa estatura. Aquele homenzinho com pouco mais de 1 metro e meio de altura seguiu sozinho por um longo corredor e precisou passar por duas grandes portas até chegar ao imenso salão.

Historiadores apontam que alguém na plateia teria dito: “Para que portas grandes para um homem tão pequeno?” Ao final do discurso ao passar de volta pelas portas, a mesma pessoa disse: “Essas portas são pequenas para um homem tão grande!” Seu discurso surpreendeu positivamente por ter apresentado novidades ao pensamento político e intelectual da época.

Em nome do Brasil, Ruy Barbosa defendeu a igualdade de soberania entre as nações. Pode parecer estranho, mas esse tipo de pensamento era inovador por pregar a democracia e o respeito aos direitos humanos. Entendia-se que os países com maior poder armamentista eram os únicos capazes de exercer o poder de decisão. Em seu discurso Ruy Barbosa deixava claro que se apenas as potências bélicas pudessem decidir os destinos do mundo, haveria mais conflitos em vez da paz que a conferência tanto almejava.

Tamanha eloquência impressionou as delegações estrangeiras e o Brasil, pela primeira vez, se fez presente no palco das decisões. Elogiado por todos os representantes, Ruy Barbosa ganhou as páginas dos noticiários internacionais que fizeram dele o brasileiro mais conhecido em todo o planeta naquele tempo.

De volta ao Brasil, o Barão do Rio Branco, fez questão de elogiá-lo publicamente. Partiu dele o termo “Águia de Haia” que se tornou a marca registrada do grande orador.

A Campanha civilista

Quando o marechal Hermes da Fonseca decidiu sair candidato à Presidência da República, Ruy Barbosa ocupou a tribuna do Senado para dizer, “os militares não devem se sobrepor aos poderes políticos da nação, tarefa essa que cabe aos civis”. Este pronunciamento serviu de início para a sua campanha eleitoral à qual deu o nome de civilista para assim poder enfrentar os militaristas que desejavam alcançar a chefia nação.

Foto Charge 88e62

Ruy Barbosa foi o pioneiro a viajar pelo Brasil em campanha eleitoral, como mostra a charge, para fazer discursos e comícios. Mesmo assim Hermes da Fonseca foi vencedor, pois naquele tempo o voto, apesar de colocado na urna, tinha que ser assinado pelo eleitor. Depois de aberto dava margem para os donos dos currais eleitorais descobrirem que foi o votante, com isso exerciam o chamado voto de cabresto. Quem votasse contra os interesses dos “coronéis”, corria o risco de sofrer represálias.

Ainda assim o “Águia de Haia” insistiu, enfrentou Venceslau Brás na eleição de 1914 e depois Epitácio Pessoa, em 1919 e voltou a perder nessas duas ocasiões. O mais desalentador é que Epitácio Pessoa, nem precisou fazer campanha eleitoral, porque estava no exterior. Ganhou pela força do cabresto. Ao todo como candidato, Ruy Barbosa disputou quatro eleições presidenciais e perdeu as quatro, igual a Ciro Gomes um século depois.

Precursor do Mercosul

Em um artigo publicado em 16 de abril de 2023, em O Estado de S. Paulo, o professor emérito da USP e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, comentou a ida de Ruy Barbosa à Argentina, em 1916, como chefe da representação brasileira durante as comemorações da independência do país, quando destacou a necessidade de uma cooperação maior entre Argentina e Brasil no sentido de uma construção política, econômica e jurídica conjunta.

Ao discursar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, analisou o impacto aos direitos humanos na escalada da violência que ocorria no desenrolar da 1.ª Grande Guerra. Observou que os estragos e misérias daquele conflito repercutiam não apenas na Europa, mas na economia dos povos mais distantes. Antecipou assim, o tema da indivisibilidade da paz, cuja atualidade se escancara na guerra Rússia - Ucrânia.

Ruy Barbosa em sua biblioteca, sem data Arquivo NacionalFundo Correio da Manhã.

Em julho de 1922, o “Águia de Haia”, foi internado para tratar um edema pulmonar e seus problemas de saúde foram se agravando pouco a pouco. Meses depois da internação ele próprio, ciente da situação, disse ao médico: “Doutor, não há mais nada a fazer”.

Ruy Barbosa faleceu em 1º de março de 1923, antes de completar 74 anos. Foi sepultado no mausoléu da família, no cemitério São João Batista, do Rio de Janeiro. No ano de1949, durante as comemorações do centenário do seu nascimento, os restos mortais foram transportados para um memorial construído em sua homenagem em sua cidade natal, Salvador – Bahia.

Dos discursos de Ruy Barbosa ficaram as frases célebres

- “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado...”

- “A palavra é um instrumento irresistível na conquista da liberdade.”

- “A justiça pode irritar-se porque é precária, mas a verdade não se impacienta, porque é eterna.”

A mais célebre de suas frases

“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Bom para os dias hodiernos, é saber que Ruy Barbosa existiu e foi brasileiro.

 

*Geraldo Nunes, jornalista, escritor e radialista, é titular da Academia Cristã de Letras – cadeira 27

 

Fontes: Portal Senado Federal do Brasil, Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro Aqui e trechos de Paulo Rezzutti - A História Não Contada – YouTube e Rui Barbosa Internacionalista: Artigo de Celso Lafer: O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 2023 -