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  • Fonte: Jornal Correio Braziliense - 19/09/18

Ruy Altenfelder 1 09b38Importante passo para o resgate da ética na vida pública foi dado com a aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso e sua sanção sem vetos pelo presidente da República, contrariando o temor generalizado de que uma lei saneadora do poder público dificilmente passaria pelo crivo dos políticos. O segundo passo veio com a decisão do Judiciário de fazer valer já para estas eleições o veto aos candi­datos condenados por colegiados, ou seja, tribunais da segunda instância para cima. Fruto da pressão das ruas e escorada em mais de 3,5 milhões de assinaturas populares e no aplauso geral da sociedade, a Ficha Limpa começa agora a percorrer a via sacra a que estão condenadas as leis que contrariam interesses poderosos.

Começou a guerra, propiciada por arcabouço legal que, muitas vezes, parece mais ter sido construído para postergar do que para garantir a Justiça. Mas o contra-ataque não deve desanimar a corrente da ética. Com experiências ocorridas em anos relativamente recentes, os brasileiros descobriram a força das ruas e dos protestos pacíficos. Foi assim com a campanha Diretas Já, que levou o país à redemocratização, e com o impeachment dos presidentes Collor e Dilma, que trouxe para as ruas estudantes, jovens mulheres, homens de todas as idades. Agora, potencializada pela amplitude das redes sociais, tudo leva a crer que chegamos a um ponto sem volta: a sociedade está cansada da impunidade, da corrupção, do nepotismo e de tantos abusos que mancharam a imagem dos poderes públicos e transformaram a política numa das menos admiradas e mais criticadas instituições nacionais. A lei deixou claro que ética e seriedade é o mínimo que se espera dos que preten­dem exercer cargos públicos.

Ser ético, honesto e correto é o indispensável que os homens que pleiteiam e exercem cargos públicos devem oferecer à sociedade. Seria interessante que os candidatos às próximas eleições atentassem para o crescente clamor popular contra a impunidade e a ilicitude camufladas sob a capa do poder. Mas também será de fundamental importância que o eleitor faça sua parte e contribua para promover a urgente faxina nos corredores do poder, analisando criteriosamente os programas e o passado dos candidatos antes de definir o voto. E, na solidão da cabine eleitoral, diante da urna eletrônica, não hesite em assinalar nomes compromissados com o bem comum e não com interesses menores — pessoais, corporativos ou, até mesmo, partidários.

Tomando o avesso da frase do escritor anglo-irlandês Edmund Burke (1729-97) — para que o mal triunfe, basta que os bons cruzem os braços —, para derrotar o mal, os bons devem descruzá-los. A nova lei mostra que os indignados saíram da letargia e se mobilizaram a favor da ética na política, para consolidar a democracia, fortalecer a cidadania e livrar o país da corrupção e da impunidade. Não é mais possível convivermos com vergonhosas estatísticas, como os 50 milhões que vivem abaixo da linha de pobreza; os 30% de analfabetos plenos ou funcionais; as centenas de crianças que em cada mil morrem antes de completar um ano, nem com a defasagem escolar média de quatro anos do brasileiro, que o faz perder empregabilidade e renda.

Mas a faxina no ambiente político está apenas no início. A infecção está entranhada no tecido social e levará um bom tempo para eliminarmos o vírus da impunidade, o que pode se encurtar se mais cidadãos barrarem não apenas os corruptos, mas também demagogos, despreparados para a administração pública e defensores de privilégios corporativistas.