A nova geração tem mais acesso à informação que qualquer outra antes dela. Mas isso não se reflete em um ganho cultural
A dependência das ferramentas da era digital é um fato. Os adolescentes não desgrudam do celular. Passam horas navegando na web ou absortos nos videogames. Mas não só eles. Todos, jovens e menos jovens, estamos reféns do mundo digital.
Para o norte-americano Nicholas Carr, formado em Harvard e autor de livros de tecnologia e administração, a dependência no uso da internet está empobrecendo nossa cultura, matando talentos e causando distúrbios psíquicos. Ele não fala do uso da internet, mas da compulsividade virtual.
Segundo Carr, o uso exagerado da internet está reduzindo nossa capacidade de pensar com independência e profundidade. “Você fica pulando de um site para o outro. Recebe várias ensagens ao mesmo tempo. Isso desenvolve um novo tipo de intelecto, mais adaptado a lidar com as múltiplas funções simultâneas, mas está perdendo a capacidade de se concentrar, ler atentamente ou pensar com profundidade.”
A nova geração de adolescentes tem mais acesso à informação que qualquer outra antes dela. Mas isso não se reflete em um ganho cultural. De fato, há uma perda considerável de qualidade da mão de obra. Os índices de leitura e de compreensão de texto vêm caindo intensamente. A conclusão é que, apesar do maior acesso às tecnologias, não se vê um ganho expressivo em termos de apreensão de conhecimento.
A internet é uma formidável ferramenta. Mas não deve perder o seu caráter instrumental. O excesso de internet termina em compulsão, um tipo de desvio que já começa a preocupar os especialistas em saúde mental. Usemos a internet, mas tenhamos moderação. Precisamos, todos, redescobrir o prazer e a beleza da leitura.
Estou de férias e dando voltas ao tema desta coluna. Qual será o tema? Bingo! Ocorreu-me compartilhar com você, amigo leitor, algumas obras. Espero, quem sabe, que o estimulem em suas férias de verão. Vamos lá:
O Óbvio Ululante – As Primeiras Confissões (Editora Agir, Rio de Janeiro). Como dizia Nelson Rodrigues, “a arte da leitura é a releitura”. Comentário certeiro. Acabo de reler as memórias de Nelson Rodrigues, suas Confissões, condensadas no magnífico Óbvio Ululante. Trata-se de um dos maiores cronistas que o Brasil já teve. Seu conhecimento da alma humana, com seus picos de grandeza de seus abismos de miséria, fica esculpido num texto insuperável. Nelson foi um criador de tipos antológicos. Como o anônimo cidadão que lhe serviu para criar Palhares, o canalha, o que “atacava as cunhadas nos corredores”. Ou a imortal grã-fina “com nariz de cadáver”. Ou, ainda, o sacerdote que o inspirou a criar o “padre de passeata”. Seu texto, brilhante e saboroso, dissecava a alma humana e radiografava a sociedade. Mas o que mais me impressiona é a atualidade do pensamento rodrigueano. Um livro fascinante.
O Quinto Movimento – Propostas para uma Construção Inacabada (Já Editora, Porto Alegre). Seu autor, Aldo Rebelo, é um estadista. Quatro vezes ministro de Estado, deputado federal em muitas legislaturas, presidiu a Câmara dos Deputados e, como relator, dotado de grande capacidade de convencimento, conseguiu aprovar um Código Florestal irretocável. Trata-se de um depoimento sobre a centralidade da questão nacional que, segundo Rebelo, “é a ideia de que a nação é o eixo organizador da vida social na presente etapa da história da civilização: a convicção segundo a qual o Estado nacional é a organização apta para proteger os valores da dignidade da pessoa humana e a crença na certeza de que viver em um país livre de qualquer submissão a outro país é o mais sagrado dos direitos do homem depois do direito à vida”. Dotado de uma cultura extraordinária e uma incontida paixão pelo Brasil, Aldo Rebelo apresenta propostas que merecem uma reflexão. A coragem e sinceridade do autor é uma lufada de esperança num ambiente tão conturbado e num momento tão crucial da nossa história. Um livro obrigatório para quem quer entender o Brasil.
A Igreja das Revoluções (Editora Quadrante, São Paulo). Esse é o último título da História da Igreja de Cristo, a monumental obra de Daniel-Rops. O autor, membro da Academia Francesa de Letras, estava trabalhando no 11.º, que trataria do Concílio Vaticano II, quando faleceu. A multissecular história da Igreja, intimamente relacionada com a história da civilização, é um banho de cultura e um magnífico prazer intelectual.
O Fio de Ariadne – A Literatura e o Labirinto da Vida (Cultor de Livros, São Paulo). Rafael Ruiz, em seu livro, procura olhar para a literatura como um caminho que leva o ser humano à plena realização, ou seja, é um trajeto que humaniza o ser humano. Nas palavras do autor, o livro funciona como um mapa que nos leva “em busca do humano”. Esse mapa nos guia através de histórias já muito conhecidas, apontando-nos as armadilhas e os tesouros do coração do homem. Ulisses, El Cid e os personagens de O Senhor dos Anéis viajam e regressam conosco, transformados. Frankenstein e os personagens de Dostoievski viajam, mas nunca retornam. E nós?
A literatura é o Waze que nos conduz na aventura da vida.
Boa leitura!
Carlos Alberto Di Franco é jornalista e ocupa a cadeira 14 da Academia Cristã de Letras - ACL