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  • Fonte: Helio Begliomini1

Devemos ir buscar a coragem ao nosso próprio desespero. (Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C – 65 d.C), escritor, advogado e filósofo romano.)

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Era o início do ano de 1979 quando conheci o Limírio Leal da Fonseca Filho, no programa de residência no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), que, à época, só admitia duas vagas para o tirocínio em urologia. Ele era de Igarapava, cidade do interior do estado de São Paulo, nascido aos 25 de maio de 1955 e solteiro, e eu da capital e recém-casado. Éramos bem jovens, sendo eu apenas dois meses mais velho do que ele; esforçados, cheios de sonhos e ávidos por conhecimentos na área cirúrgica e, de modo particular, em urologia, especialidade que muito evolui nesses 45 anos com a incorporação de diversificados recursos tecnológicos!

Dávamo-nos muito bem e nos desdobrávamos amistosamente nos trabalhos que tínhamos que realizar, complementando-nos com alegria e muito empenho nas tarefas da enfermaria, ambulatório, participações em cirurgias e em seminários, bem como na realização de exames subsidiários, empreitada reunida numa cansativa jornada diária de 10 a 12 horas, tirante os plantões semanais regulares. O vigor e a disposição da juventude estavam a nosso favor! Como consignou o escritor, músico, publicitário e professor Paulo Leminski (1944-1989), “o tempo parecia pouco e a gente parecia muito”.

Fomos autores e coautores de diversos trabalhos apresentados em congressos de urologia, bem como de artigos publicados em revistas da especialidade. Que época exaustiva, mas também fabulosa, produtiva e de grande aprendizado!

Lembro-me que desde o início até o último ano da residência, ele dizia reiteradamente que pretendia voltar para o interior, pois a cidade de São Paulo o “sufocava”! Contudo, findo o período de especialização, ele, a convite de membros do Serviço de Urologia, começou a trabalhar na capital paulista; logo ingressou, mediante concurso, como assistente do Serviço de Urologia do HSPE, radicando-se definitivamente na pauliceia.

O Limírio tinha estupenda noção de anatomia topográfica; extremo bom senso; domínio de si e serenidade para tomar a melhor decisão possível em situações difíceis ou de urgência, bem como uma grande destreza manual, qualidades que muito o ajudaram a ser um cirurgião de sucesso, sendo procurado por muitos pacientes e indicado por diversos médicos.

Com o doutor Pedro Manzini Filho, outro notável cirurgião do Serviço de Urologia do HSPE, desenvolveu-se em cirurgias complexas e de grande porte e, com o tempo, passou a realizá-las com muita maestria. Aliás, era rotineiramente escalado para tais procedimentos cirúrgicos.

Limírio Leal da Fonseca Filho muito contribuiu ao Serviço de Urologia do HSPE. Foi ele quem introduziu nesse hospital, em 1986, a cirurgia renal percutânea, e alguns anos depois, a realização de procedimentos laparoscópicos na urologia. Ademais, ele foi um dos primeiros, no Brasil, a utilizar o robô na prostatectomia radical!

Defendeu seu doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 2002 e, anos mais tarde, em janeiro de 2010, sucedeu o inesquecível Demerval Mattos Júnior (1939-2020) como diretor do Serviço de Urologia do HSPE, função que exerceu por sete anos. Em maio de 2017, pediu licença não remunerada do cargo e, vencido o prazo e já ter feito seguidores, decidiu deixar definitivamente suas atividades nesse tradicional hospital de ensino, passando a trabalhar somente em seu consultório particular, onde atendia diversos pacientes.

Embora tenha participado de vários eventos urológicos, quer como conferencista, quer como debatedor em mesas-redondas, ele não se sentia atraído pela vida associativa. Jamais ambicionou cargos e funções em entidades médicas, mantendo-se bem distante dessas pretensões. Aliás, não era esse o seu perfil, nem o seu jeito de ser.

Por outro lado, o Límírio sempre foi alegre, descontraído, agradável, simpático, simples, humano, dinâmico, agregador..., virtudes que, por vezes, escondiam a grandiosidade profissional que ele se tornou! Teve por muitos anos a pesca como seu passatempo predileto. Seu companheiro de pescaria era o Hugo Hypólito, outro grande assistente que o Serviço de Urologia do HSPE teve e que conhecia profundamente a especialidade. Aliás, fomos, Limírio e eu enquanto residentes, alguns sábados a Sorocaba, a convite do Hugo Hypólito, tão somente para ajudá-lo em cirurgias abertas, meramente em troca de aprendizado.

Eu jamais poderia imaginar que lhe dedicaria um necrológio!

Por ironia do destino, o grande urologista Limírio Leal da Fonseca Filho foi vítima de uma doença urológica. Tratou a tantos com muito esmero e sucesso, e não pôde ter a mesma sorte, apesar de todos os recursos possíveis que lhe foram disponibilizados no decorrer de sua fatídica enfermidade!

Sua partida, aos 26 de janeiro de 2024, foi irreparável para aqueles que puderam com ele conviver! Ele fez e deixou história no Serviço de Urologia do HSPE, além de muitíssimos amigos, admiradores e simpatizantes. No meu caso, particularmente, pranteio a perda do meu inesquecível e talentoso irmão na especialidade, na maturidade dos seus 68 anos!

1 Pós-graduado pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e assistente do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público Estadual.