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  • Fonte: Raquel Naveira

girassol raquel 072ffAté julho, é temporada de girassóis em minha cidade. Tornou-se atração turística o mar amarelo de flores na fazenda ao lado da termelétrica. Noivos, amigos, mulheres deixam-se fotografar entre corolas e abelhas.

Para minha geração, vem imediatamente à memória o filme Os Girassóis da Rússia, do diretor italiano Vittorio De Sica. A comovente história de amor entre Giovanna, interpretada por Sophia Loren e Antônio, por Marcello Mastroiani. Giovanna e Antônio estão casados há apenas doze dias quando irrompe a Segunda Guerra Mundial. Ele é enviado com as tropas de Benito Mussolini para uma frente de batalha na Rússia. Ela fica em Nápoles, ansiosa por seu retorno. Passam-se anos. Ela, mortificada pela saudade, parte para a Rússia à procura do amado. Cruza pontes, rios, nevascas e campos forrados por girassóis. Como esquecer o semblante dessa diva exuberante, tomada de intensa emoção e lágrimas, pelejando com os enormes caules de girassol? Ao fundo, a música indescritível de Mancini, cheia de acordes melancólicos como suspiros. Para decepção de todos, ele formara nova família, deixando-se envolver por ventos e circunstâncias de mudança, provando talvez que muito maior é a dimensão do amor no coração de uma mulher.

Van Gogh foi chamado de “o pintor de girassóis”. Ele afirmou certa vez “ter um pouco de girassol.” Na aldeia de Arles, na França, encontrou a explosão do amarelo, as altas notas na paleta das cores. Com o objetivo de decorar seu ateliê, pintou uma série de sete quadros de girassóis. Buquês em jarras à luz da alvorada, com a textura de pinceladas velozes, criando cabeças de girassol recheadas de sementes. Vasos com três, cinco, doze e até quinze girassóis. Com esse elevado tom de amarelo a que chegou naquele verão francês, superou limites de beleza. Captou a transitoriedade da vida, a magia dos pedaços de veludo e as nesgas de sol.

O girassol é nostálgico. Devoto que se ajoelha diante do astro-rei acompanhando sua trajetória no céu. Símbolo perfeito para o eufórico, depressivo e bipolar Van Gogh. Como os artistas amam e se identificam com os girassóis! O poeta Manoel de Barros escreveu que a dor ao ver soldados cantando por estradas de sangue, o fazia também abaixar a cabeça e ver os girassóis ardentes de Van Gogh. O heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, declarou ter o olhar nítido como um girassol. E a poeta carioca, Sonia Sales, em seu livro Girassóis Maduros, viu enxertos de girassóis com andorinhas fazendo ninhos cobertos de flores.

Conta a lenda da mitologia grega, que a ninfa Clícia se metamorfoseou nessa flor adoradora, devido à sua paixão cega e desvairada por Hélio ou Apolo, o deus sol. Uma história de rejeição, tristeza e ciúme, pois ele a preterira por outra.

Às vezes, como Clícia, penso que carrego um fardo enorme. Meu corpo se curva e retorce como um girassol amargurado. De repente, quando vejo o sol lá no alto, abro-me em pétalas, ergo a face cansada e me entrego como oferta viva, pura, alma sedenta de luz.

É temporada de girassóis em minha cidade. Logo estarão prontos. Cessará toda reverência e movimento. Ficarão paralisados na posição da nascente. Serão ceifados pelas colheitadeiras que os transformarão em produtos oleosos e quentes. Já é óleo grosso o que escorre em ondas de energia pelas minhas veias, enquanto sinto douradas vibrações.