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  • Fonte: Geraldo Nunes

O único bairro de São Paulo que tem apelido é a Bela Vista, conhecido pela alcunha “Bixiga”, assim mesmo com “i”. Há várias explicações para esse agnome, as mais famosas são as que se referem ao dono de uma hospedaria da região chamado João Bexiga e a outra que o lugar servia de isolamento para as pessoas vítimas da varíola, doença popularmente chamada “bixiga”.

A Bela Vista, propriamente dita, surgiu como nome do loteamento da região, lançado em 1870. Só mais adiante, pelo início do século 20, se instalaram no bairro os italianos provenientes de Rossano Cálabro - Calábria e Cerignola - Puglia. Foram eles que construíram conjuntamente a atual igreja de Nossa Senhora Achiropita, inaugurada em 1926, mas entre eles não se chegava a um acordo para a escolha do nome da padroeira.

Os calabreses conhecidos pelo “sangue quente” queriam dar o nome da padroeira de Rossano Cálabro, Nossa Senhora Achiropita e os puglieses, de Cerignola, preferiam Nossa Senhora da Ripalta, da qual eram devotos. Na tentativa de colocar fim às discussões que chegavam quase às vias de fato, o bispo diocesano decidiu dar o nome de São José, por acreditar que assim acalmaria os ânimos.

Mesmo assim as conversas prosseguiram até 1940, quando o prédio da igreja precisou passar por uma reforma e o empenho pessoal dos imigrantes de Rossano falou mais alto e o nome Nossa Senhora Achiropita, acabou sendo efetivado. Para contentar os puglieses de Cerignola, a cúria mandou colocar na igreja uma imagem de Nossa Senhora da Ripalta que lá se encontra até hoje. O pessoal de Rossano Cálabro aceitou, mas para não deixar barato disse que era de favor aos puglieses.

O pároco mais famoso de Achiropita foi Dom Luigi Orione, que dá nome a uma praça do bairro e foi proclamado santo pelo papa João Paulo II, em 2004. Houve depois um outro pároco famoso, Dom Carlos Aferano que precisou deixar a paróquia por causa de uma polêmica. Em 1944, quando o Brasil enviou soldados à Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, Dom Aferano fez um sermão no qual defendeu os países do eixo. Em voz alta exclamou frases do tipo: “Salve a memória de Mussolini!” e “Viva Hitler”!

Autoridades do clero ficaram sabendo e afastaram o pároco que seguiu para um asilo no Rio de Janeiro. Nunca mais se soube nada sobre ele, mas Dom Orione e depois Dom Aferano que garantiram a continuidade dos festejos de Nossa Senhora Achiropita, ao conclamarem as donas de casa para colaborar na preparação dos pratos a serem servidos, inicialmente apenas para os moradores do Bixiga. Foi a tradição das “mamas” ou “matronas”, que são aquelas senhoras que trabalham gratuitamente para ajudar a paróquia que despertou o interesse da imprensa e tornou a festa conhecida de todos os paulistanos. Na Itália atual, em Rossano Cálabro, também há uma festa semelhante e no mundo só há duas paróquias em louvor à Nossa Senhora Achiropita, essa da Calábria e a nossa aqui de São Paulo. Quem me contou essas histórias foi Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga, grande divulgador das tradições do bairro em uma entrevista que me concedeu em 1994, meses antes de morrer.

A origem do culto à Nossa Senhora Achiropita, teve início no ano 580 da era cristã, quando um capitão do mar chamado Maurício, chegou por engano a Rossano Cálabro, então uma aldeia. Um monge local profetizou que ele havia sido mandado para lá por Nossa Senhora e que se transformaria no imperador daquele vilarejo e lá construiria um templo. Dois anos depois Maurício, já imperador, seguiu as palavras do monge e mandou erguer um santuário dedicado à Nossa Senhora, mas um fenômeno aconteceu.

A imagem que era pintada em uma das paredes do templo durante o dia desaparecia à noite. Puseram um vigia para tomar conta e numa daquelas noites, uma senhora com uma criança nos braços pediu para visitar o templo. O vigia não se opôs por considerá-la inofensiva, mas depois, preocupado porque a mulher demorava a sair, foi ver o que acontecia e não mais a encontrou. Em vez dela viu uma imagem de Nossa Senhora pintada na parede e surpreso saiu para o lado de fora da igreja e começou a gritar:

“Achiropita!”, Achiropita!”, que significa: “Não pintada” pela mão do homem!

O culto à Nossa Senhora Achiropita ganhou devotos em toda a Itália e através dos calabreses de Rossano Cálabro, a santa passou a ser venerada em São Paulo. A festa de Nossa Senhora Achiropita, em 2023, chega à sua 97ª edição.

 

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Legenda: Nossa Senhora Achiropita

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Legenda: Nossa Senhora da Ripalta

 

Geraldo Nunes, jornalista, escritor e memorialista ocupa a cadeira 27 da Academia Cristã de Letras - ACL