Acabo de reler o pequeno, mas denso livro de Norberto Bobbio Direita e Esquerda - Razões e Significados de uma Distinção Política. Trata-se de um instigante libelo contra os que desprezam a clássica dicotomia direita/esquerda.
Logo na abertura do que ele chama de pequeno livro, Bobbio confessa sua surpresa com seu sucesso, pois durante longo tempo figurou na lista dos best-sellers na área de ensaios. Foi lançado durante uma campanha eleitoral em que duas forças se contrapunham. Ele atribui ao tema a principal razão do sucesso. Para o mestre, a díade direita e esquerda não interessaria mais a ninguém. “Destros” e “esquerdos” formulam programas idênticos e propõem-se os mesmos fins imediatos. Não mereceriam ser vistos como campos diversos ou receber nomes distintos. “Quando muito”, conclui Bobbio, “poderiam ser substituídos por outra dupla: progressistas e conservadores. Na verdade, como lembra o autor, não houve apenas a esquerda comunista, houve também uma esquerda no interior do horizonte capitalista.
As duas “incômodas” palavras continuam a ser empregadas para caracterizar políticos, partidos, movimentos, alinhamento de jornais e revistas, programas políticos e disposições legislativas. A primeira pergunta que nos fazemos a respeito de um político é se ele é de esquerda ou de direita. Bobbio considera sem sentido tal indagação.
“Como fazemos para dizer que tal objeto não é nem branco nem preto, se não temos a mínima ideia da diferença entre as duas cores?”, indaga. E considera que num sistema democrático a alternância entre governos de direita e de esquerda é possível e legítima. Ademais, nenhuma pessoa de esquerda (sinistrorso) pode deixar de admitir que a esquerda de hoje não é mais a esquerda de ontem. No final do prefácio, que Bobbio denomina 1995 - Resposta aos críticos, justifica a razão de ter escrito o que ele chama de pequeno livro. “Escrevi estas páginas no momento em que adquiria particular rancor um debate sobre os intelectuais, confuso e irreverente quando brigam entre si: os contendores desejavam saber se houvera uma hegemonia dos intelectuais de esquerda (naturalmente perversa) e se havia de novo, por quais razões e com que força de penetração uma cultura de direita que até então estivera marginalizada. Nunca como neste atual período de transição a cultura de direita suscitou tanta curiosidade e tanto interesse, mesmo da parte de quem não é de direita. Ao que parece, todos os que entraram neste debate, e são muitos, estão certos de que ‘direita’ e ‘esquerda’ não são caixas vazias”.
E então? Seriam todos discursos insensatos? De qualquer modo, não é certamente insensato o discurso, com o qual tenho o prazer de encerrar este novo convite à discussão, de quem encontra no iluminismo pessimista (expressão que eu próprio havia empregado) a postura que, sendo capaz de acolher as vozes da literatura pessimista, não se deixa por elas ensurdecer.
“Talvez seja a esquerda democrática que possa e deva escutar as vozes que ensinam que o homem é malvado, mas precisa ser ao mesmo tempo auxiliado de todos os modos, incluindo os mais prosaicos, como a assistência à saúde e a aposentadoria”.
As lições de Bobbio se aplicam ao atual momento político-eleitoral brasileiro. Os candidatos que disputam as eleições presidenciais são rotulados ou se auto rotulam como representantes da esquerda, da direita ou do centro. Melhor seria a análise fria e equilibrada dos seus programas de governo e só depois classificar as ditas diretrizes como progressistas ou conservadoras. O voto deve levar em conta os programas, as diretrizes do partido, e não a fala, a cara, o carisma do candidato.
O homem de direita, segundo Bobbio, é aquele que se preocupa em salvaguardar a tradição. O homem de esquerda é o que pretende libertar seus semelhantes das cadeias a eles impostas pelos privilégios de raça, casta, classe, etc.
Outro excelente livro que acabo de reler é de autoria de Jorge G. Castañeda, Utopia Desarmada - Intrigas, Dilemas e Promessas da Esquerda Latino-americana.
Bobbio e Castañeda se completam nesses pontos. Este último, no capítulo 2 do seu livro No Princípio - Comunistas e Populistas, afirma que até a Revolução Cubana a história contemporânea da esquerda latino-americana parecia uma crônica das diferenças, alianças e conflitos entre partidos comunistas locais e os chamados movimentos populistas, nacionalistas ou “nacional-populares”. Na América Latina os partidos comunistas nasceram na esteira da Revolução Russa e da formação da chamada Terceira Internacional. Hoje, conclui o autor, com algumas exceções, esses partidos praticamente desapareceram, incorporados a outras organizações ou reduzidos a uma marginalidade extrema, dividindo-se ao infinito em “grupúsculos impotentes”.
Num momento em que severa crise no Brasil e no mundo se prolonga, os questionamentos de Bobbio e Castañeda são um convite para que se aprofundem as análises e não se perca de vista o valor das diferenciações. Como diz o professor Marco Aurélio Nogueira, tradutor do livro de Norberto Bobbio, “no que diz respeito particularmente às esquerdas, soam como estímulo para que se leve a bom termo uma aprofundada reflexão autocrítica”.
Norberto Bobbio (1909-2004), nascido em Turim, na Itália, tem a maioria de seus livros publicados no Brasil, pela Editora Unesp, destacando-se Direita e Esquerda, A Teoria das Formas de Governo, O Futuro da Democracia, Estudos sobre Hegel, A Era dos Direitos, Contra os Novos Despotismos, Nem Com Marx, nem Contra Marx, Democracia e Segredo e Política e Cultura.