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  • Fonte: Rosa Maria Custódio

Inicialmente, gostaria de parabenizar Dr. Guido Palomba pela brilhante palestra realizada no dia 19/07/2022, com o título de ARTE e LOUCURA, na Tertúlia Mensal da Academia Cristã de Letras! Dr. Guido30 Rosa Maria Custodio 2b715 Palomba, com muita arte e experiência em Psiquiatria, nos proporcionou momentos de muita descontração e até alegria, além de nos dar uma aula sobre a interessante relação entre Arte e Loucura.

Logo me veio à mente o trabalho pioneiro, e reconhecido mundialmente, de Dra. Nise da Silveira, um dos maiores nomes da Psiquiatria Brasileira. Trabalho que tive a oportunidade de conhecer nos anos de 1980, quando cursava a Faculdade de Jornalismo e morava na cidade do Rio de Janeiro.

Nise da Silveira nasceu no Estado de Alagoas, em 15 de fevereiro de 1905, filha de Faustino Magalhães da Silveira (professor de matemática e jornalista) e da pianista Maria Lídia da Silveira. Em 1926, formou-se em Medicina na Bahia, sendo a única mulher entre os 157 homens da turma. Casou-se com o sanitarista Mario Magalhaes da Silveira, seu colega de Faculdade. Já era órfã de mãe, quando seu pai faleceu em 1927.

Poucos meses depois, o jovem casal decidiu ir morar no Rio de Janeiro. Optaram por não terem filhos, para melhor dedicarem-se à Medicina. Como aquariana, Nise da Silveira, em sua história de vida, comprova que sua mente e seus pensamentos iam além do seu tempo. Seu marido, como sanitarista, publicava artigos sobre saúde e prevenção das doenças, ao mesmo tempo que revelava a situação de pobreza da população e as desigualdades sociais. Imagino que partilhassem essas e outras ideias que advinham do engajamento de Nise no meio artístico e literário da então capital do Brasil – enquanto ela fazia especialização em Psiquiatria e estagiava na Clínica Neurológica de Antônio Austregésilo.

Como médica psiquiatra, Nise da Silveira, depois de ser aprovada em concurso, começou a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha. Sem dúvida, um trabalho árduo, por todo o desgaste mental e emocional envolvido. Já na década de 1930 o Hospital da Praia Vermelha estava superlotado e decadente. Foi nesta época que Nise da Silveira militou no Partido Comunista Brasileiro e foi uma das poucas mulheres a assinar o “Manifesto dos trabalhadores intelectuais ao povo brasileiro”. Mas foi expulsa do grupo, acusada de ser trotskista (seguidora de Leon Trótski, político e revolucionário ucraniano que, em sua ideologia socialista e comunista, se opunha ao stalinismo).

Mesmo assim, durante a Revolta Comunista de 1935 (uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, por militares, em nome da Aliança Nacional Libertadora), Nise da Silveira foi denunciada por uma enfermeira, por estar lendo livros marxistas (que tratam das relações de classe e conflitos sociais, numa perspectiva materialista do desenvolvimento histórico e social). Ela foi presa em 1936, no presídio Frei Caneca, onde permaneceu por 18 meses. Nessa época, também estava preso o grande escritor Graciliano Ramos que, em seu livro Memórias do Cárcere, Nise aparece como uma das personagens.

Após sair da prisão, Nise da Silveira permaneceu com seu marido, mas afastada do serviço público por razões políticas. Foi nesse período que se dedicou à leitura das obras de Spinosa (1632-1677, filósofo holandês, nascido em uma família que havia fugido da inquisição lusitana; um dos primeiros pensadores do Iluminismo). Suas reflexões foram publicadas no livro “Cartas a Spinosa”, em 1995.

E assim é a vida... feita de eventos que se sucedem no tempo, interligando assuntos variados. Por isso volto, aqui neste texto, à ARTE e a LOUCURA, temas abordados na Palestra do Dr. Guido Palomba, que tanto nos agradou. Mas, complementado o que eu gostaria de ressaltar no trabalho maravilhoso realizado por Nise de Oliveira (cuja história exige um livro inteiro), gostaria de acrescentar, de forma sucinta, seu trabalho realizado depois de 1944, especialmente a criação do Museu de Imagens do Inconsciente.

Reintegrada ao serviço público, em 1944, Dra. Nise da Silveira foi trabalhar no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no bairro Engenho de Dentro, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Sua maneira de ver e sentir, especialmente no que se referia aos tratamentos adotados nas enfermarias dos hospitais psiquiátricos, destoava do que era usual e convencional. Ela se recusava a aplicar eletrochoques nos pacientes e, por essa razão, foi transferida para o trabalho com terapia ocupacional.

No lugar das tarefas de limpeza e manutenção que os pacientes realizavam, ela criou ateliês de pintura e modelagem, acreditando que com o uso da criatividade eles poderiam expressar simbolicamente seu mundo interior, suas emoções e sentimentos, e reatar os vínculos com a realidade. Esse foi o início de uma grande revolução, que mudou o rumo da Psiquiatria e tornou Nise da Silveira conhecida no Brasil e no exterior.

Em 1952, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, um centro de estudos e pesquisas destinados à preservação dos trabalhos produzidos pelos pacientes, como documentos importantes para a compreensão mais profunda do universo interior dos esquizofrênicos. Hoje, mais de 350.000 obras fazem parte do acervo. Muitos desses trabalhos foram usados como dados e referência para a escrita de seu livro “Imagens do Inconsciente”, e para a produção de filmes e exposições, que conheceram outros públicos.

Em 1956, Nise da Silveira criou outro projeto pioneiro, e revolucionário para sua época, a “Casa da Palmeiras”. Trata-se de uma Clínica voltada para a reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas. Os pacientes podem expressar a criatividade em etapas intermediárias entre a rotina hospitalar e a reintegração à vida em sociedade. Muito mais poderia ser acrescentado sobre a vida e a obra dessa admirável mulher, que continuou trabalhando e estudando, incluindo os estudos psicanalíticos com Carl Gustav Jung, sempre no intuito de se aperfeiçoar e dar o melhor de si mesma.

Nise da Silveira deixou um grande legado e recebeu inúmeros prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais. Ficou viúva em 1986 e faleceu em 1999.