A tragédia que destruiu parte da história brasileira até então guardada no Museu Nacional do Rio de Janeiro, devorou também os originais do decreto da independência, assinado por D. Maria Leopoldina.
Então princesa regente do Brasil, Leopoldina redigiu e assinou o documento nas dependências do mesmo prédio, no dia 2 de setembro de 1822, um domingo, 196 anos antes do catastrófico incêndio.
O Museu Nacional segue sendo recuperado e nós, ao lembrarmos os 200 anos da Independência do Brasil, preparamos esse estudo para revelar como foram os dias que antecederam o 7 de setembro de 1822, Dia do Grito.
A relação entre brasileiros e portugueses se deteriorou a partir da volta de D. João VI a Portugal, em 1821.
Desde então, as cortes de Lisboa passaram a exigir o retorno imediato de D. Pedro para a metrópole, mas os portugueses que aqui ficaram e prosperaram em seus negócios, juntamente com os brasileiros viram a necessidade de se proclamar a independência com ou sem o príncipe D. Pedro.
Portugal se deu conta da situação e pediu a revogação de uma série de medidas em vigência no Brasil como a elevação à reino unido que passou a ser considerada como “privilégio”, especialmente depois da volta de D. João.
As ordens foram lidas por D. Maria Leopoldina, que convocou uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros. Este aprovou, em 2 de setembro de 1822, a assinatura da declaração de independência.
Em seguida a princesa organizou uma mensagem e enviou-a em caráter de urgência para D. Pedro que estava em São Paulo.
As cartas escritas pela princesa e por José Bonifácio, chegaram às mãos de do príncipe regente no dia 7 de setembro, junto às margens do riacho Ipiranga.
Nelas se informava que a independência já estava consumada, faltava apenas oficializá-la publicamente.
Foi o que fez D. Pedro ao proferir o grito histórico “Independência ou Morte”, ali mesmo onde estava, junto às margens do Ipiranga.
Leia a carta de Dona Leopoldina, vertida para a ortografia atual:
“Pedro, o Brasil está como um vulcão, até no paço há revolucionários e até oficiais das tropas são revolucionários.
As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa.
Sabemos bem o que tem sofrido nossos pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito.
Chamberlain (cônsul-geral da Inglaterra), vos contará tudo o que sucede em Lisboa.
O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação.
O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa (José Bonifácio) que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos.
Ouvi o conselho de vosso ministro, se não quiser Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida.
Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois.
Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer.
Leopoldina”.
Nossa futura imperatriz aderiu aos ideais de independência do Brasil, antes mesmo que o marido, em nome da conservação da monarquia.
Ela temia os excessos das revoluções populares. Eram fortes as lembranças contadas a ela por José Bonifácio, sobre as execuções ocorridas durante a Revolução Francesa quando foi guilhotinada sua tia-avó Maria Antonieta.
Havia a concordância dela com as ideias dos Andradas e seus partidários monarquistas, por isso defendeu a permanência de D. Pedro no Brasil simbolizada no Dia do Fico.
Leopoldina, segundo alguns autores, foi quem idealizou a bandeira do Brasil, surgida da união do verde da Casa de Bragança com o amarelo ouro da Casa de Habsburgo-Lorena.
Depois, como imperatriz, Leopoldina se empenhou a fundo no reconhecimento da independência do Brasil pelas cortes europeias, escrevendo cartas ao pai, imperador da Áustria, e ao sogro, rei de Portugal.
Fontes:
NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Emancipação política.
VAIFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: a história não contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil. Ed. Leya, 2017. DEL PRIORE,
MARRY, A carne e o sangue: A imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
SCHUMAHER, Shuma e BRAZIL, Érico Vital (org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000
Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues
+
D. Maria Leopoldina, uma austríaca da família dos Habsburgo, mecenas de vários artistas e amante das artes, estudou botânica, zoologia e arqueologia, tendo aceito de bom grado a proposta de casamento pelo fato de no Brasil, poder desenvolver melhor os seus estudos. Este ainda era um território desconhecido para o mundo e, na linguagem de hoje, rico em biodiversidade. Coroada imperatriz do Brasil, a 1° de dezembro de 1822, na cerimônia de sagração a D. Pedro I, respeitada e querida pelo povo brasileiro na sua época, Leopoldina dá nome hoje a cidades, bairros, ruas, avenidas, ferrovias, estações e até escolas de samba. Uma coleção particular da imperatriz, atendendo a um pedido pessoal dela, para se ilustrar e fazer circular um conhecimento melhor sobre o Brasil, foi doada ao Museu Nacional pouco antes de seu falecimento. Parte das peças desse acervo puderam ser salvas, mas o documento oficial da independência, infelizmente, desapareceu consumido pelas chamas.