A nossa imprensa costuma reservar sérias críticas às religiões, sendo que muitas vezes não as distingue, como se todas as religiões fossem iguais. Em alguns casos a imprensa ajuda as religiões, como há pouco tempo disse o Papa Francisco, agradecendo aos jornalistas que ajudaram a Igreja católica a se desvencilhar de pedófilos. Mas em outros casos o despreparo de jornalistas ou de acadêmicos costuma difundir desinformações e praticar injustiças, difíceis de serem reparadas.
Aos que combatem as religiões, cumpre lembrar que, apesar de tanta artilharia, como a dos positivistas, dos marxistas, dos freudianos etc., os especialistas registram um retorno vigoroso do fenômeno religioso no ocidente e no oriente. Quais as razões? Certamente um cansaço do excesso de racionalismo, desencanto e funcionalização de nossas sociedades complexas. O ser humano não consegue sopitar um desejo de crescimento a níveis superiores de existência. E aí surge uma nova energia que foi narcotizada pela modernidade, abolindo a imaginação, a fantasia, os sonhos, as utopias e a fé religiosa. Afinal, são eles que entusiasmam nosso espírito e nos conduzem às transformações da história. O berço desse estopim é o que o filósofo Ernst Bloch chama de “princípio esperança” (Das Prinzip Hoffung, traduzido em português pela editora Contraponto). Dependendo do ponto de vista, talvez seja o modo mais percuciente de conhecer o real.
Sob esse aspecto, devemos valorizar todas as modalidades de penetrar “na margem do futuro, do lado do presente” (A. Malraux), até mesmo para além da pura racionalidade (que não deixa de ser uma incógnita), sem desprezar o que alenta tantas das inteligências seja das academias, seja do povo simples: poemas, contos, crônicas, músicas, pinturas, teatro, estórias, a literatura, a contemplação... Tudo isso deve ser acatado como trilha para o mergulho na realidade, pois ao real pertence também o potencial. A realidade é primeiro sonhada, depois executada. Os poetas e os profetas sabem, mas que ninguém, que faz parte do real não só que é, mas também o que pode vir a ser. É concebendo o ideal que se pode acrescentá-lo ao real, como ensinou E. Durkheim.
Por esse motivo o fenômeno religioso é o que há de mais ancestral e sistemático da dimensão utópica inseparável do ser humano. O autor da Carta aos Hebreus (11,1) não poderia ser mais real, isto é, mais sonhador: a fé religiosa é “a convicção (hypóstasis) de realidades que se não veem, o fundamento (élenchos) do que se espera”. Onde há religião há esperança, ou seja: nem tudo está perdido. A verdadeira religião, pela atenta e constante releitura do presente, trabalha pela conquista e fruição do amor do que ainda não é. Como sugeriu Pascal, é o inconformismo com a razão instrumental (esprit de géometrie), o compromisso com a razão cordial (esprit de finesse), a mais radical transformação. O Cardeal J. H. Newmann, canonizado pelo Papa Francisco em 2019, ensinou que “viver é mudar, ser santo é mudar constantemente”.
(*) Jornalista profissional, professor e Membro da Academia Cristã de Letras.