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  • Fonte: Estadão 1/10/23 - Carlos Alberto Di franco

Chegou a hora de a sociedade dar um basta respeitoso, mas firme, aos abusos do Judiciário e cobrar uma posição clara do Congresso Nacional 

Carlos Alberto Di Franco 73988

Não me canso de manifestar meu respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de um dos pilares da democracia. Mas há outros: o Legislativo e o Executivo. A harmonia e a independência dos Poderes da República compõem a alma do sistema democrático.

No entanto, o que se tem visto é uma crescente invasão do Judiciário no espaço privativo dos demais Poderes. Não é bom. Não é saudável. Gera insegurança jurídica e, aos poucos, vai minando a credibilidade do invasor.

O Supremo rejeitou o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Na contramão de decisão da própria Corte em 2009, quando o Supremo se debruçou sobre o caso da Reserva Raposa Serra do Sol. Prevalecia, desde então, o entendimento segundo o qual os povos indígenas só poderiam reivindicar a demarcação das terras que ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição. O texto constitucional é claríssimo: os indígenas não têm direitos sobre terras que, eventualmente, venham a ocupar, mas sim sobre as terras que “tradicionalmente ocupam”. Agora, de costas para a sociedade e para o Congresso, tudo foi mudado. Em nome da pacificação, o STF vai conseguir o contrário: trazer insegurança jurídica e disputas intermináveis no País.

Mas vamos ao segundo episódio: o aborto. A ministra Rosa Weber quis encerrar seu mandato no STF de um modo espetacular, embora pouco democrático e invasivo do espaço de competência do Congresso Nacional: a ampliação do aborto no Brasil.

No lusco-fusco da sua presidência na Corte Suprema, pautou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, interposta pelo PSOL em 2017, com a pretensão de que a Corte declare a inconstitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal e descriminalize a interrupção da gravidez até a 12.ª semana de gestação.

Como bem lembrou editorial do jornal O Estado de S.Paulo, “quando a ação foi ajuizada, Rosa Weber, sua relatora, afirmou que o tema precisava de ‘amadurecimento’, mas prometeu que o tribunal não deixaria a sociedade sem resposta. À época, como agora, contudo, a única resposta que a sociedade espera da Corte é que ela respeite a decisão dessa mesma sociedade”.

E prossegue o editorial, com lógica certeira: “A única resposta cabível da Corte à ação deveria ter sido dada já em 2017, pela própria Rosa Weber: negar conhecimento para que a questão fosse tratada pelo Poder Legislativo”. Lá, e não no espaço ocupado por 11 ministros autoempoderados, a sociedade está verdadeiramente representada.

A legalização do aborto sempre foi uma prioridade ideológica de alguns. Dentro e fora do STF. Contra a vontade expressa da sociedade, e em nome da “democracia” e dos direitos reprodutivos, defende a eliminação do primeiro direito humano fundamental: o direito à vida.

A rejeição ao aborto no Brasil é fantástica. As pesquisas estão aí. E são inequívocas. A legalização do aborto é uma agressão à sociedade. Mas a ideologia não está nem aí com o sentimento da maioria. Democracia só vale se estiver alinhada com o pensamento único de uma militância autoritária.

Aproveito o momento para conversar com você, amigo leitor, a respeito das sucessivas tentativas de forçar a barra para ampliar o aborto no País. No aborto há duas vítimas: o bebê não nascido e o coração desgarrado da mãe.

A legalização do aborto, estou certo, é o primeiro elo da imensa cadeia da cultura da morte. Após a implantação do aborto descendente (a eliminação do feto), virão inúmeras manifestações do aborto ascendente (supressão da vida do doente) – a eutanásia já está incorporada ao sistema legal de alguns países –, do idoso e, quem sabe, de todos os que constituem as classes passivas e indesejadas da sociedade.

Defender os direitos de um feto é a mesma coisa que defender uma pessoa contra uma injusta discriminação, a discriminação dos que pensam que existem alguns seres humanos que devem ser sacrificados por um bem maior. Aí está exatamente o cerne da questão, que nada tem que ver com princípios religiosos nem com a eventual crença na existência da alma.

Hoje o que está sendo questionado não é tanto a realidade biológica, inegável, mas uma coisa muito mais séria: o próprio conceito de humano ou de pessoa. Trata-se, portanto, de uma pergunta de caráter filosófico e jurídico: quando se pode afirmar de um embrião ou de um feto que é propriamente humano e, portanto, detentor de direitos, a começar pelo direito à vida?

Fala-se, arbitrariamente, de tantos dias, de tantos meses de gravidez... E se chega até a afirmar, como já foi feito entre nós, que só somos seres humanos quando temos autoconsciência. Antes disso, só material descartável ou útil para laboratório. Mas será que um bebê de dois meses ou de dois anos tem autoconsciência?

Não se compreende de que modo obteremos uma sociedade mais justa, democrática e digna para seres humanos (os adultos) com a morte de outros (as crianças não nascidas).

Chegou a hora de a sociedade dar um basta respeitoso, mas firme, aos abusos do Judiciário e cobrar uma posição clara do Congresso Nacional.