Fevereiro de 1922 foi o mês em que aconteceu a Semana de Arte Moderna que aos poucos modificou os pensamentos em relação ao que é arte no Brasil. O movimento modernista não foi revolucionário, mas transformador e o centenário deste acontecimento histórico, está sendo comemorado nos meios acadêmicos com reuniões e palestras.
Nada surge de uma hora para outra, na Europa turbulenta em meio à Primeira Grande Guerra, ações culturais parecidas receberam o nome de “futuristas”, ao apresentarem novos padrões estéticos, especialmente nas artes plásticas.
No Brasil de 1917, acontece uma exposição de pinturas que levanta discussões ferinas que acabariam por culminar na Semana de 22, que aqui surgiu como resposta de uma vanguarda aos intelectuais conservadores que entendiam por arte apenas os modelos surgidos no desenrolar do século XIX.
A “Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti”, inaugurada no em 12 de dezembro de 17, reuniu em um salão do centro de São Paulo, 53 quadros da artista que convidou para a mostra outros pintores com os quais compartilhara experiências nos Estados Unidos.
Tudo corria bem até que em uma quinta-feira, 20 de dezembro de 1917, aparece nas páginas de “O Estado de S. Paulo", um texto avassalador assinado por ninguém menos que Monteiro Lobato.
Cronista e escritor já bem lido e conhecido, o autor de Urupês, nesta coluna do jornal, tenta preservar Anita de sua revolta, mas a deixa de “saia justa” ao escrever que os modernistas, “vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”.
Quanto à pintora ele diz: “Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum...Entretanto, seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e pôs todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural...”
O ataque do escritor de Taubaté mexe com aquilo que a pintura de Anita Malfatti possuía e possui de mais valioso, a fuga do desenho formal de rostos e dimensões. Isto pareceu ousado demais para o pensamento conservador da época do qual o próprio Lobato fazia parte.
Mais à frente, o escritor enfatiza: “...não fosse profunda, a simpatia que nos inspira o belo talento da sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações desagradáveis.”
E prossegue: “Como já deve ter ouvido numerosos elogios à sua nova atitude estética, há de irritá-la como descortês impertinência, a voz sincera que vem quebrar a harmonia do coro de lisonjas. Entretanto, se refletir um bocado, verá que a lisonja mata e a sinceridade salva...”
Ainda que na tentativa de preservar Anita, Monteiro Lobato a deixou desconcertada. O artigo foi grosseiro, de uma raiva descabida em relação aos modernistas e nunca houve alguém que testemunhasse a visita dele à exposição, ou seja, criticou sem ver.
A mostra de Anita Malfatti começou perto do Natal, depois vieram as festas de ano novo e uma resposta a Lobato, só veio quase um mês depois, por Oswald de Andrade, em um artigo assinado apenas com as iniciais; O.A. no "Jornal do Comércio". No texto faz elogios aopioneirismo e originalidade das pinturas, só que em 18 de janeiro de 1918, um dia após o término da exposição.
Uma discussão que teria acontecido entre Mário de Andrade e Monteiro Lobato, foi retratada na minissérie “Um Só Coração”, de Maria Adelaide Amaral, levada ao ar em 2004, pela Rede Globo. A conversa ao que se se diz, haveria suscitado o rompimento entre os dois.
Monteiro Lobato, entretanto, manteve-se irredutível em seu parecer, a ponto de relançar a crítica em seu livro, “Ideias de Jeca Tatu”, de 1919, com o título “Paranoia ou Mistificação”.
Em resposta ao que considerava intransigência do escritor, os empresários e mecenas Paulo Prado, Rene Thiollier e outros, paulistanos endinheirados da época, decidiram financiar a criação da Semana de Arte Moderna de 1922, escolheram o espaço cultural mais caro, requintado e desejado da cidade, o Teatro Municipal de São Paulo.
Ao relembrar os 100 anos da Semana de 1922 tenho dedicado meu tempo a refletir as razões pelas quais ainda não surgiram no Brasil do século XXI, mentes criadoras que possam trazer inovações aos nossos meios culturais, artísticos e musicais como aconteceu na São Paulo de outrora.
Fontes: Monteiro Lobato/Artes e Artistas /O Estado de São Paulo/20/12/1917
Portal Outras Palavras: A exposição de Anita Malfatti - 26/04/2014
Portal Toda Matéria: Anita Malfatti por Daniela Diana, professora licenciada em Letras
Andrade, Oswald/Um homem sem profissão/2ª. ed. Rio de Janeiro/Civilização Brasileira/1976
Lobato, José Bento Monteiro/Ideias de Jeca Tatu/35a ed. São Paulo/Editora Brasiliense/1973