A Academia Cristã de Letras sempre inicia suas sessões com a tradicional Oração de S. Francisco de Assis, um santo que levou a humanidade tão a sério que se tornou um irmão universal, aceito até pelos não cristãos. O poeta e romancista Cheng Chi-hsien, chinês e budista, membro da prestigiosa Academia Francesa desde 2002, e tão belamente traduzido em português por Bruno Palma (Editora Ateliê), depois que conheceu S. Francisco tornou-se cristão e passou a chamar-se François, em homenagem ao santo.
Da mística experiência do jovem S. Francisco aprendemos a importância de sentir-se amado, isto é, saber que somos preciosos por alguém. Incrementa em nós o significado da vida, pois um nosso semelhante, para além das diferenças, achou valoroso que habitássemos o seu coração. Cada palavra, cada gesto, cada iniciativa nossa passa a ser apreciada, acolhida, criando uma solidariedade superior às convenções e modismos.
O santo, porém, não se satisfez em ser amado. Seu radicalismo levou-o a mais profunda percepção; ao ponto de galgar um novo patamar da existência humana, e proclamar que mais importante que ser amado é amar. Aquele que ama realiza o milagre do quebrantamento: aniquila-se a si mesmo, se preciso for, para que o amado cresça e ele diminua. Francisco foi seduzido, arrebatado pela natureza quenótica (kénosis = esvaziamento) da vida e missão do Salvador (Fl 2,7), que desprezou sua origem divina para ser um servo da humanidade, que ele desmedidamente amou. Todas as suas energias se direcionaram para fazer do ser humano o objeto de seu amor incondicional. Judeu ou grego, puro ou pecador, homem ou mulher, sadio ou enfermo, livre ou escravo? Todos – sem nenhuma exceção – são abraçados fraternalmente pelo Filho de Deus. Como é possível ainda hoje imaginarmos que alguém possa ou deva ser excluído do amor cristão! Se o amor deixar de ser universal, ele deixa de ser cristão.
No início da Quaresma de um novo ano tão difícil para a humanidade, quando muitos ainda querem erguer muros de segregação, cultivar a indiferença e até mesmo o ódio por quem é diferente de nós, ao menos por um átimo, procuremos superar nossos instintos antissociais e passemos a ver, por mais difícil que possa parecer, como imperativo ético, o movimento de aproximação das pessoas e das comunidades. Deixemo-nos seduzir pelo ideal de sermos fraternos. Jesus nos ensinou que temos um único Pai; logo devemos nos comportar como irmãos. Não condenemos uma Campanha pelo desconhecimento de sua natureza e sua história, muito menos pela preguiça de fazer o esforço de um amor gratuito, sem a contrapartida e a higidez dos hábitos da deturpação ou da mesquinharia. Sejamos capazes, na força do Espirito de Deus, de nos superarmos, de sermos maiores que nós mesmos.
“Fazei que saibamos mais amar que ser amados.”
(*) Jornalista profissional, professor de Filosofia, titular da Cadeira 28 da Academia Cristã de Letras.