Fundador da Cadeira Nº 1 da Academia Cristã de Letras.
Atendendo ao pedido de nosso Presidente, o médico e escritor Helio Begliomini que já no início desta primeira gestão na Academia Cristã de Letras manifestou o desejo de completar, no site da ACL, as biografias e fotos de todos os membros que fazem e fizeram parte da história de nossa distinta entidade, comecei minha pesquisa sobre o Sr. Sérgio Carlos Covello, fundador da Cadeira Nº 1.
Sobre a Academia Cristã de Letras:
Foi fundada em 14 de abril de 1967, na cidade de São Paulo, e tem como patrono Francisco de Assis. São 53 anos de História! De acordo com a ata da sua fundação, foi o Professor Sérgio Carlos Covello quem convidou as pessoas que se reuniram no salão nobre do Clube Piratininga (situado na rua Formosa, 367 – 26º andar) naquela data histórica. Foi ele quem abriu a sessão e leu o projeto dos Estatutos, que foi aprovado com unanimidade. Naquela mesma noite foi eleita uma Diretoria provisória, tendo Benedicto Rodrigues Aranha como presidente, Antonio Lafayette Natividade Silva como secretário e Nicola de Stefano como tesoureiro.
A eleição da primeira diretoria, para o biênio 1968-1969, aconteceu em 1º de dezembro de 1967, tendo Benevides Beraldo como presidente, Sérgio Carlos Covello como vice-presidente, Antonio Lafayette Natividade Silva como secretário, Nicola de Stefano como tesoureiro e Afonso Vicente Ferreira como Diretor Social. Na mesma cerimônia foram empossados os dez primeiros acadêmicos: Cadeira Nº 1: Sérgio Carlos Covello, Patrono: Machado de Assis; Cadeira Nº 2: Benedicto Rodrigues Aranha, Patronesse: Francisca Júlia; Cadeira Nº 3: Antonio Lafayette Natividade Silva, Patrono: Martins Fontes; Cadeira Nº 4: Nicola de Stefano, Patrono: Dante Alighieri; Cadeira Nº 5: Bernardo Pedroso, Patrono: Vicente de Carvalho; Cadeira Nº 6: Afonso Vicente Ferreira, Patrono: Catulo da Paixão Cearense; Cadeira Nº 7: José Flávio Malheiros Leite, Patrono: Castro Alves; Cadeira Nº 8: Benevides Beraldo, Patrono: Padre Belchior de Pontes; Cadeira Nº 9: Júlio Augusto de Melo e Silva Filho, Patrono: Visconde de Cairú; Cadeira Nº 10*: Isaias Castro Júnior, Patrono: Visconde de Taunay.
(*Consta registrado no Relatório Anual de 1979 que, por decisão unânime dos acadêmicos presentes à Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 31 de janeiro de 1978, ficou sem efeito o empossamento de Isaias Castro Júnior na cadeia Nº 10, por ele não ter, posteriormente, apresentado a tese que efetivaria o caráter vitalício de sua posse. Desde novembro de 1968, ele não mais compareceu às reuniões da ACL e foram infrutíferas as tentativas de localizar seu paradeiro. Em 06 de abril de 1979, a cadeira nº 10 passou a ser ocupada por Tácito Remi de Macedo van Langendonck, que escolheu Marie Barbe Antoinette Rutgeerts Langendonck como patronesse. Atualmente ela é ocupada por Helio Begliomini, nosso atual presidente, cuja posse se deu em 23 de março de 2000. Estas informações foram extraídas do livro Academia Cristã de Letras – Tributo aos Quarenta Anos de História, publicado em 2007, por Helio Begliomini.)
Passados 53 anos, de todos esses acadêmicos, fundadores, o jornalista e poeta Antonio Lafayette Natividade Silva é o único que ainda participa das reuniões da ACL.
Sobre Sérgio Carlos Covello:
É a pessoa que desempenhou papel preponderante na fundação da Academia Cristã de Letras. Sobre ele, tínhamos pouquíssimas informações: foi vice-presidente nas primeiras quatro diretorias, (de 1968 até 1975) e acumulou a função de tesoureiro na 4ª, e de Chanceler na 5ª diretoria. Segundo consta em registro, oito anos depois, na reunião do dia 23 de outubro de 1975, por não concordar com decisão tomada pela maioria de seus pares, ele fez, verbalmente, seu pedido de demissão. Demissão que não foi concedida, pois não constava essa possibilidade nos Estatutos da ACL. Apesar dos apelos dos demais confrades, ele não voltou atrás.
Coube a mim a grata satisfação de reencontrar, virtualmente, Sérgio Carlos Covello, neste ano de 2020. Comecei minha pesquisa no Google. Seu nome apareceu em muitas páginas e sites, com citações em processos judiciais, artigos, monografias e teses de mestrado e de doutorado. No site da Estante Virtual, encontrei a relação de seus livros, alguns com três ou quatro edições: Contratos Bancários, de 1981; A Presunção em Matéria Civil, de 1983; Ação de Despejo, de 1985; O Sigilo Bancário, de 1991; Comenius – A construção da Pedagogia, de 1992; Ação de Alimentos, de 1994; A Obrigação Natural – elementos para uma Possível Teoria, de 1996; Prática da Locação e do Despejo, de 1998; e Prática do Cheque, de 1999.
Na sequência, o Google me direcionou ao YouTube, onde encontrei Dr. Sérgio Carlos Covello proferindo uma palestra sobre “O Eclesiastes ou a arte de viver bem”. Essa palestra foi publicada no canal da Loja Teosófica Liberdade-SP, em 2013. A partir daí, fui pesquisar o endereço e o telefone dessa Loja Teosófica, na expectativa de obter informações ou o número do telefone do palestrante. Conversei com duas pessoas, até conseguir seu telefone residencial.
Em nossa primeira conversa, falei de minha surpresa e satisfação por estar conversando com ele. Disse-lhe que, para nós, era muito importante fazer este resgate da memória e assim manter viva a Academia Cristã de Letras e sua história. Perguntei se ele gostaria de voltar a fazer parte da academia; disse-lhe que ficaríamos honrados com sua presença. Falei da nova diretoria, do entusiasmo do nosso presidente e dos novos projetos, que incluíam tertúlias em nossas reuniões mensais. Também perguntei se ele gostaria de proferir uma pequena palestra em uma de nossas reuniões, mas ele se mostrou refratário e me fez compreender que não estava mais interessado nessas atividades. “Eu já não tenho a mente voltada para esses temas.”
Expliquei-lhe que precisávamos de mais informações sobre sua pessoa, pois era o fundador da Cadeira Nº 1 da Academia Cristã de Letras e quase nada sabíamos sobre ele e sua história. Acrescentei que essa cadeira ficou vaga durante 38 anos. Apenas em 2005 ela foi ocupada pelo Ilustre Professor Paulo Nathanael Pereira de Souza, uma pessoa de grandes méritos, que muito respeitamos e admiramos, e que já foi nosso presidente em algumas gestões.
Por fim, fiz-lhe muitas perguntas e a todas ele respondeu com muita gentileza e boa vontade. Inclusive, me forneceu o seu número de celular e assim a nossa entrevista continuou, por escrito, via Whatsapp. Na transcrição, que segue abaixo, as perguntas e respostas de nossas conversas foram mescladas com as escritas para que as informações fossem complementadas.
Como tudo começou...
Rosa Maria: O senhor poderia nos falar de sua juventude? Quais eram as influências e as suas aspirações naquela época?
Sérgio C. Covello: Nasci aos 17 de outubro de 1947, no bairro da Liberdade em São Paulo. Minha juventude transcorreu entre os estudos e o trabalho. Comecei a lecionar em 1965, em curso fundamental e de preparatórios, tendo me diplomado pelo Instituto de Educação Caetano de Campos. Já nessa época interessava-me pela literatura e pelas artes, embora não fosse nem escritor nem cultivador de arte alguma. Fiz parte da Casa do Poeta de São Paulo, onde aprendi muito, pois a entidade promovia palestras sobre grandes vultos da História do Brasil e da Literatura Brasileira. Na época, a Casa do Poeta funcionava no auditório do Centro do Professorado Paulista que também promovia cursos e palestras franqueados aos sócios da Casa do Poeta. Havia um intercâmbio entre professores recém formados e poetas, poetisas, escritores e jornalistas.
A Casa do Poeta reunia-se semanalmente, todas as terças feiras, e era frequentada por pelo menos 40 pessoas, além dos associados que eram assíduos. Os tempos eram outros e São Paulo era uma cidade segura, de modo que tanto jovens como pessoas de meia idade, e mesmo idosas, não encontravam nenhuma dificuldade em transitar pelo centro, mesmo após as 22 horas. Colaborei na administração da casa e depois comecei também a proferir conferências. As conferências eram escritas e posteriormente publicadas. A Casa do Poeta dispunha de um jornal mensal onde os sócios efetivos publicavam seus sonetos e artigos literários.
Rosa Maria: Na época em que o senhor frequentava a Casa do Poeta, também se interessava pela poesia?
Sérgio C. Covello: No tempo da Casa do Poeta eu me interessava pela poesia, mas nunca produzi poesia, pois não tenho talento para isso. Tampouco a Casa do Poeta era uma agremiação exclusiva de poetas. Era, segundo seus estatutos, uma associação civil que visava divulgar a cultura em geral e a poesia em particular. Faziam parte dela poetas e poetisas, estas de primeira grandeza, como professores de ensino fundamental, diretores de escola, advogados, funcionários públicos aposentados, comerciários, jornalistas e diletantes das letras. Vale lembrar que os tempos eram outros e a poesia tinha vez nas escolas, em festividades cívicas e até no rádio.
Rosa Maria: Como surgiu a ideia de fundar uma Academia de Letras, aos 19 anos?!
Sérgio C. Covello: A ideia de fundar a Academia Cristã de Letras surgiu na Casa do Poeta. A intenção era reunir intelectuais que não pertencessem à outras academias, mas que tivessem méritos para tanto. Note-se que os associados da Casa do Poeta eram em sua maioria cristãos e produziam poesias de colorido cristão. No meu caso, sendo de família católica, assumi bem cedo os ideais cristãos que cultivo até hoje, embora não frequente nenhuma igreja. Nosso propósito era criar uma associação de nível declaradamente cristão, sem vínculo com igreja, para a produção da boa literatura em geral e da literatura cristã em particular, sem fanatismos e sem proselitismo.
Rosa Maria: Na ata da fundação, realizada em 14 de abril de 1967, que instituiu a primeira diretoria (provisória), constam as assinaturas de cinco pessoas: o senhor, Bernardo Pedroso, Nicola de Stefano, Afonso Vicente Ferreira e Antônio Lafayette Natividade Silva, nessa ordem. Consta também que foi o senhor quem convidou as pessoas, abriu a reunião e leu os Estatutos. O senhor foi o idealizador da Academia Cristã de Letras e fundador da Cadeira Nº 1. Por que não quis ser o presidente da diretoria provisória, nem das diretorias subsequentes?
Sérgio C. Covello: Sim, fui o idealizador da ACL e convoquei um grupo de amigos da Casa do Poeta para a fundação da entidade. Não quis ser o presidente porque não tinha idade nem suficientes méritos para esse cargo. Escolhemos como presidente da diretoria provisória o poeta parnasiano Benedicto Rodrigues Aranha, que foi um grande apoiador da fundação dessa agremiação literária cristã. Além de intelectual puro, poeta de notório mérito, com um livro de poesias publicado e vários sonetos estampados no jornal da Casa do Poeta e outros periódicos, era pessoa graça nos meios sociais da época, tendo sido diretor de banco americano, onde trabalhou por mais de 30 anos, até a aposentadoria. Era um homem idealista, sempre disposto a trabalhar desinteressadamente por um ideal.
Rosa Maria: Cinco meses depois, em agosto de 1967, o Sr. Benevides Beraldo (cadeira nº 8) assumiu a presidência da ACL e permaneceu no cargo por três mandatos sucessivos, até 1973. O senhor assumiu a vice-presidência e nela permaneceu durante quatro mandatos, até 1975. O que o senhor pode nos dizer sobre o presidente Benevides Beraldo?
Sérgio C. Covello: Benevides Beraldo foi jornalista, diretor de museu e titular de Cartório de Notas em Itapecerica da Serra. Ele assumiu a causa da ACL e tudo fez para que a inauguração acontecesse com muita pompa e circunstância (traje a rigor, com faixa nas cores vermelho e amarelo, significando a caridade e a intelectualidade.) Também foi decidido que o Hino Nacional seria executado em todas as sessões solenes, especialmente as de posse.
Benevides Beraldo era católico militante e muito fez para o crescimento da Academia Cristã de Letras. Era uma pessoa muito competente e tinha gosto pela cultura. Muitos o criticavam porque ele cultuava o folclore, tanto que era diretor de um museu do folclore, em Itapecerica da Serra. Ele fazia palestras sobre o folclore e acabou se tornando uma figura folclórica, pelas expressões que usava, mesmo em reuniões solenes. Algumas pessoas da sociedade ficavam chocadas, pois se achavam melhores do que as outras; eram pessoas com títulos e condecorações, mas quase nenhuma produção ou trabalho.
Rosa Maria: Como foram os primeiros tempos da ACL? Quais as dificuldades iniciais?
Sérgio C. Covello: Os primeiros tempos da Academia Cristã de Letras foram mais difíceis, pois a academia precisava ser inaugurada com um cunho oficioso, embora não fosse uma entidade pública. Foi discutido sobre quem deveria ser convidado para dar esse cunho de oficialidade à instituição. Houve a indicação de nomes de deputados, do presidente da Assembleia, amigos do Sr. Benevides Beraldo. Mas esses nomes foram rechaçados porque todos tinham envolvimento político e não era oportuno. Então se escolheu, como paraninfo da ACL, o Ministro Lauro Malheiros, presidente do Tribunal de Alçada Civil. Naquele tempo o Judiciário tinha outra estrutura e os juízes de 2ª Instância eram chamados de Ministros. Lauro Malheiros era um Juiz de destaque, dedicado ao Direito, já em fim de carreira. Também era pessoa conhecida de Benevides, que fazia parte da Justiça por ser titular de um cartório. Ele foi convidado e de imediato aceitou. Esteve presente no dia da inauguração, fez um discurso, deu posse à diretoria e aos acadêmicos que instituíram a ACL.
Todos os jornais divulgaram. É preciso frisar que os jornais daquela época eram totalmente diferentes dos jornais de hoje. Os jornais e revistas divulgaram e todos os leitores tomaram ciência da criação dessa instituição. Conseguimos o apoio das autoridades civis e militares, do governador do estado, da secretaria da educação; todos responderam ao convite da convocação e deixaram suas portas abertas à disposição do que precisássemos. Não se falava em verbas, nós nos cotizamos e tudo saiu no mais alto nível e brilhantismo. Até o Diário Oficial do Estado de São Paulo e a Voz do Brasil noticiaram a fundação da Academia Cristã de Letras como coisa oficial. Houve uma participação à todas as instituições e tivemos a colaboração da imprensa para divulgar as reuniões da nova academia.
Rosa Maria: Em dezembro de 1967 foram empossados 10 membros. Foi fácil conseguir membros para a fundação da academia?
Sérgio C. Covello: Tivemos algumas dificuldades para conseguir os sócios na época. Algumas pessoas, especialmente as que frequentavam a Casa do Poeta se sentiam honradas, mas outras recusavam e até faziam gozação. Mesmo pessoas que já tinham alguma obra escrita. O Sr. Benevides teve muita fibra e graças a ele começamos com solenidade, pompa e circunstância. Ele gostava disso e não abriu mão. A começar com o uniforme da turma que era o smoking. Havia uma faixa, com as cores da entidade, tudo muito estudado por pessoas de fora da instituição que colaboraram.
Existiam muitas outras associações no centro de São Paulo, e entre elas a União Brasileira de Escritores (na rua 24 de Maio, bem perto de onde estava a Casa do Poeta, na rua Antônio de Godoy), a Sociedade Geográfica Brasileira (também na rua 24 de Maio), e havia uma outra, cujo nome não lembro agora, que promovia reuniões regulares na rua Barão de Itapetininga. Nesse quadrilátero, como eu costumava dizer, havia instituições paralelas que aderiram e muitos de seus associados passaram para a Academia Cristã de Letras.
O objetivo na época era preencher as cadeiras. Bastava ser uma pessoa de notoriedade, de trabalho na área literária, e nós convidávamos, mas houve essa dificuldade inicial de encontrar quem aderisse ao movimento.
Rosa Maria: Onde eram realizadas as reuniões da ACL?
Sérgio C. Covello: Conseguimos uma sede provisória: o Clube Piratininga, que era maravilhoso e nos abrigava com prazer, pois era um Clube Social. Abrigava não só as reuniões administrativas, mas também as reuniões solenes e festivas. Hoje, ele está na Alameda Barros, num prédio moderno, mas acredito que tenha decaído. Naquela época ele funcionava na Rua Formosa, naquela baixada do teatro Municipal, que tem o jardim e uma escultura da Ópera “O escravo”, de Carlos Gomes. O prédio está lá até hoje. Dois andares pertenciam ao Clube Piratininga, que era um Clube de elite. Estava no centro porque o centro era o local mais indicado para tudo. Hoje é o contrário, todo mundo foge do centro. O Clube Piratininga era muito luxuoso, já tinha um aspecto acadêmico. Era todo rococó, com muitos espelhos, muito dourado. E tinha o salão de jogos, que atraia muitos sócios. O jogo sempre interessou a muita gente e isso acontece ainda hoje. Tinha um restaurante. Enfim, era o lugar ideal para uma entidade que se propunha a fazer sessões solenes. A ACL começou com solenidade. Nós não deixamos por menos e o nosso presidente, o Sr. Benevides Beraldo, é a pessoa a quem devemos prestar todas as homenagens.
Do Clube Piratininga, passamos para a Biblioteca Municipal Mario de Andrade, onde muitos empossamentos aconteceram. O pessoal que estava na Biblioteca vinha assistir nossas reuniões. Depois da Biblioteca Municipal eu não sei para onde a ACL foi porque me desliguei da entidade. Mais tarde houve a doação de uma casa, na rua Carvalho de Mendonça nº 203, no bairro de Campos Elíseos, e a ACL passou a ter sede própria. Essa casa pertencia a outro Juiz de Alçada, o Ministro Luiz Gonzaga Gyges Prado, que a cedia para as reuniões da Sociedade de Estudos Filológicos, da qual ele fazia parte. A doação aconteceu depois que a sociedade se desfez. Foi uma pena, pois era uma sociedade muito ilustre, que reunia pessoas importantíssimas do meio filológico, como Silveira Bueno, Otoniel Mota, Afrânio do Amaral, Prof. Celestino Bina, grande gramático e professor de português, nomes famosos que hoje são nomes de ruas da cidade.
Rosa Maria: O senhor sente saudade daquele tempo?
Sérgio C. Covello: Nenhuma. Eu não sinto saudade de época nenhuma da minha vida. Minha vida foi muito boa. Infância, juventude, maturidade, foram épocas muito boas, como é até hoje. Mas eu não quero retornar a nenhuma. Não havia o trânsito que tem hoje. Eu morava no bairro de Santana, pegava um ônibus e chegava ao centro em poucos minutos, com tranquilidade. Geralmente as reuniões de todas essas associações, como na Casa do Poeta, terminavam em torno das 22 horas, daí a pessoa saía, ia para uma choperia ou uma leiteria, até isso tinha. A pessoa podia transitar pela rua, pelo centro, em torno da meia noite e voltar para casa de ônibus, sem problema nenhum.
E quem fazia parte da Casa do Poeta? A maioria eram senhoras. Este é um aspecto muito importante: a maioria dos intelectuais, na época, que participavam e frequentavam as reuniões, eram mulheres. Vale lembrar que foi uma mulher, a poetisa Colombina, quem fundou a Casa do Poeta em 1947. Elas eram excelentes poetisas, excelentes escritoras, gente de primeira grandeza. E podiam ir para o centro, mesmo sendo casadas ou viúvas, não havia o problema que existe hoje. Era uma vida de mais qualidade em todos os sentidos, e isso terminou. Hoje nós fugimos do centro.
Naquele tempo, na Academia Paulista de Letras, com a qual nunca tive contato, os empossamentos eram eventos que ocupavam todo o Largo do Arouche. Todos os acadêmicos vestiam casacas e chegavam com seus carros luxuosos no Largo do Arouche todo enfeitado. As mulheres chegavam de vestidos longos. Era um evento e tanto. Hoje a Academia está fazendo empossamentos durante o dia, com quase nenhum público, é o candidato e mais alguns acadêmicos. Acabou a cultura literária.
No meu tempo, a escola ministrava cultura literária. Havia incentivo, embora muitos alunos não valorizassem essa cultura. Depois houve uma reforma e mudaram as matérias. Naquela época, o curso ginasial era quase um curso de Letras. As pessoas formadas no ginásio tinham o nível que hoje tem o egresso de uma faculdade de Letras. Todos os colégios eram bons, especialmente os estaduais. Se o rádio informasse que ia ter uma palestra, muitos alunos iam assistir. Hoje, não temos mais essa cultura literária.
Até o Padre Antônio Vieira, expressão máxima do Barroco, na Língua Portuguesa (não houve escritor que soubesse manejar a língua melhor do que ele) foi excluído do Vestibular! Não se estuda mais o Padre Vieira. Só por isso já temos uma ideia de que os tempos são outros. De uns tempos para cá todo mundo passou a estudar só para passar no Vestibular. Não leem nem as grandes obras.
Tem até um livro de resumo das obras que caem nos vestibulares. Os jovens estão mais ligados na internet. Mas a internet tem um aspecto positivo porque encontramos muitos jovens dando aulas de história, sobre grandes autores, como Machado de Assis. Nesse particular a juventude está com nota 10. Sou fã desses jovens que estão produzindo coisas que em outros tempos não se via.
Feitas essas considerações, acho que ficou bem caracterizada aquela época. Era uma época literária, as pessoas procuravam acompanhar o que estava acontecendo: palestras, lançamentos de livros, e os jornais tinham uma coluna para noticiar tudo isso. Esse era o público que comparecia à Casa do Poeta, à Academia Cristã de Letras. Se não tiver público, o que essas entidades vão fazer?
Se a senhora me perguntar que nota eu daria para o pessoal que hoje (pessoal que eu não conheço) integra uma Academia ou a Casa do Poeta, se ainda existir, eu não vou dar nota, vou dar uma medalha de ouro, por estarem tentando levar pra frente as letras e a literatura em geral.
Rosa Maria: Depois da diretoria provisória, que durou apenas cinco meses, o senhor exerceu a função de vice-presidente nas primeiras quatro diretorias - de 1967 até 1975. Nesse período, quais foram as atividades mais importantes da ACL, do seu ponto de vista?
Sérgio C. Covello: As atividades mais importantes da nova entidade foram: a promoção de cursos, seminários, exposições e visitas às escolas secundárias, para incentivar a juventude a apreciar a poesia e a cultura literária. Esta última já não existe nos tempos atuais.
Rosa Maria: Nessas atividades, o senhor lembra de alguém que tenha se destacado de modo especial?
Sérgio C. Covello: Lembro-me da Loren (Lorenza Hernandes Della Cruz Maldonado) fundadora da Cadeira Nº 15, cuja posse se deu em 14 de outubro de 1970. Ela e o marido eram espanhóis. Ela tinha formação de professora e aqui no Brasil exercia a função de secretária executiva em uma empresa estrangeira. Também trabalhava como tradutora e era poetiza.
Uma das inovações da Academia Cristã de Letras foi acolher as mulheres. Na época, havia muitas mulheres que participavam das associações culturais e todas eram excelentes. A dona Loren chegou e se tornou um dos braços da nossa instituição. Participava de todos os eventos culturais, mas quando digo participar é fazer palestras, fazer algo concreto. Ela também ajudava muito na divulgação dos eventos nos jornais e frente às autoridades da educação. Ela ia pessoalmente; era uma senhora muito bem apessoada e falava muito bem. Santa Tereza D’Ávila, padroeira das escritoras espanholas, era a patronesse da sua cadeira. A dona Loren fez uma biografia sobre Santa Tereza D’Ávila e apresentou no dia de sua posse, trazendo essa figura ilustre para a ACL.
Eu sou pesquisador de Santa Tereza desde os meus 17 anos e também fiz um trabalho sobre ela. Esse trabalho tem umas 10 ou 12 páginas e foi publicado no site da Sociedade Teosófica e da revista O Rosa Cruz. Os esotéricos se animaram com ele, inclusive o pessoal da Teosófica, quando eu fiz a palestra sobre o tema. Até hoje eles lembram e querem que eu faça outras palestras. As pessoas também querem saber a que igreja eu pertenço. Eu respondo que sou estudioso das obras literárias místicas, não tenho e não estou pregando religião.
Além do Sr. Benevides Beraldo (cadeira nº 8), da Sra. Loren (cadeira nº 15) e do Sr. Bernardo Pedroso (cadeira nº 5), que foi o segundo presidente da Casa do Poeta, outras pessoas poderiam ser mencionadas.
Rosa Maria: O nome “cristã” da Academia Cristã de Letras também confundia as pessoas?
Sérgio C. Covello: Muita gente não entendia que esse nome, cristã, representava a cultura cristã de modo geral. A maior parte da sociedade ocidental é cristã, nosso calendário é cristão, muitos dos nossos eventos festivos são cristãos. O Sr. Benevides dizia que todos os ocidentais são cristãos. Freud, uma figura majestosa da psicanálise, que se apresentava como ateu, cultivava os valores judaicos, ia à sinagoga fazer palestras, receber homenagens, embora não participasse da religião judaica, mas era judeu. Ele sempre demonstrou apreço à cultura judaica que ele jamais renegou, apesar de viver uma época difícil e ser perseguido por ser judeu, na Áustria, pelo nazismo e tudo o mais. Nos filmes da época, podemos ver Freud comemorando o Natal com os filhos.
Nós tivemos um acadêmico que era judeu, e como judeu ele tomou posse na ACL. Foi Hugo Schlesinger. Nós o trouxemos para a ACL por intermédio da dona Loren, que o conhecia. Fui convidá-lo e ele gostou da ideia, ficou agradecido e o dia de sua posse foi magnífico! Mais de 500 pessoas estavam presentes no evento, realizado no SENAC, no Auditório Brasílio Machado Neto, na rua Dr. Vila Nova, que é um auditório magnífico. O seu discurso também foi magnífico. E eu tive a oportunidade de fazer a saudação a ele na ocasião.
A posse de Hugo Schlesinger, que era judeu e permaneceu judeu, é um exemplo de que não havia essa limitação com relação ao nome cristã da nossa academia. Para nós, que fundamos a ACL, a cultura cristã é a cultura ocidental. Bem ou mal, o poeta que faz uma poesia sobre o Natal está fazendo uma poesia cristã. Hugo Schlesinger fazia parte de uma entidade Ecumênica e frequentava as altas rodas católicas. Ele tinha livre acesso a toda e qualquer administração católica, tinha amigos padres e escrevia livros em colaboração com esses padres. Ele publicou vários livros em colaboração, publicou dicionários... Até Cristo era judeu. Esse é um ponto que gostaria de esclarecer.
Rosa Maria: Na reunião de 21 de março de 1974, o acadêmico Jorge Bertolasso Stella (cadeira 19) foi eleito Presidente de Honra da ACL, e manteve-se nessa posição até 1981. O senhor pode nos falar mais sobre isso?
Sérgio C. Covello: Sobre o Professor e Reverendo Jorge Bertolasso Stella, devo dizer que foi a maior aquisição que a Academia Cristã de Letras fez. Era teólogo presbiteriano, filólogo e escritor de obras cristãs, além de ser especializado em história das religiões com uma vintena de livros publicados. Literatura cristã de primeira grandeza. Ministrava na Catedral Evangélica da Rua Nestor Pestana (vale a pena conhecer o prédio). Foi-lhe outorgado o merecido título de Presidente de Honra da ACL, pois, em razão de sua idade, ele não tinha condições de administrar a agremiação.
Rosa Maria: Qual o motivo que o fez sair da Academia Cristã de Letras tão jovem?
Sérgio C. Covello: Motivo sempre existe, mas foi um conjunto de fatores. Se eu tivesse continuado, não só na ACL como nessas outras associações, especialmente a Sociedade de Estudos Filológicos, que eu gostava muito, onde cheguei a ser vice-presidente e eles estavam me preparando para ser presidente, eu não teria conseguido investir na minha vida profissional. Eu precisava investir em coisas que também rendessem no sentido material.
Rosa Maria: O senhor poderia nos falar da sua trajetória profissional?
Sergio C. Covello: Dediquei-me ao magistério até 1973. Depois abracei a advocacia. Durante oito anos fui advogado do extinto Banco Auxiliar, até que prestei concurso público e me tornei Juiz de Direito. Paralelamente, fiz carreira universitária tornando-me professor efetivo da Faculdade de Direito da USP, na qual obtive os títulos de Mestre em Direito Civil, Doutor em Direito e Livre Docente em Direito Civil. Tanto a advocacia como a magistratura e o magistério superior me ensinaram muito.
Rosa Maria: O senhor disse que é amigo do casal Claudio de Cápua e Carolina Ramos, que moram em Santos, e que é através deles que tem notícias da ACL, pois Carolina é nossa confreira, titular da cadeira nº 22. Desde quando o senhor os conhece?
Sérgio C. Covello: Eu tenho casa em Santos, por isso tenho mais proximidade com o casal. Conheço Claudio de Cápua da Casa do Poeta. Fazia pouco tempo que ele frequentava essa instituição, quando fundamos a ACL. Nós anunciávamos nossas reuniões solenes lá e ele passou a comparecer a todas elas. Mas, depois das reuniões, ele tecia críticas sobre o comportamento de alguns membros, principalmente do Sr. Benevides. Eu ficava com a impressão de que ele não gostava da ACL, por isso não o convidei para fazer parte. Com o tempo eu percebi que ele era o elemento ideal para fazer parte da academia. Ele é um dos poucos que não se desvinculou daquela época de cultura literária. Ele deu continuidade a tudo aquilo que se fazia e teve uma evolução magnífica.
Ele não enriqueceu porque essas atividades (jornalismo e cultura literária) não dão dinheiro, só dão trabalho, dor de cabeça e até inimizades. Ele não enriqueceu financeiramente, mas evoluiu de tal forma que se tornou uma personalidade na cidade de Santos. Casou-se com Carolina Ramos, que é santista e foi morar lá. E lá, a sua vida foi um sucesso atrás do outro. Como jornalista, ele dirigiu a Revista Santos – Arte e Cultura durante 13 anos. Através da revista, ele foi divulgando as obras dos outros. Santos, diferentemente de São Paulo, é uma cidade que mantém viva a Literatura. Pouca gente sabe disso. O Instituto Histórico e Geográfico de lá é de primeira. Eles realizam eventos maravilhosos e eu tenho aprendido muito toda vez que vou assistir as reuniões no Instituto.
Carolina Ramos é uma pessoa idosa, mas atua como se fosse uma pessoa jovem. Ela estabelecia contatos de Santos com a Casa do Poeta, de Santos com Caxias do Sul, no RS. Ela viaja e promove as viagens. E continua como Presidente da União Brasileira de Trovadores. É uma escritora de primeira, é uma poetisa muito premiada. Em Santos ela figura em livros como referência. No livro História de Santos, composto em três ou quatro volumes, que é um livro antigo entre os santistas – Panteão – Carolina Ramos figura ao lado de Vicente de Carvalho. Ela faz parte de várias associações culturais em Santos, e, em todas, ela produz. E o Cláudio junto com ela. Ele gosta de tudo isso e perpetua aquela época da Casa do Poeta.
Claudio é conhecidíssimo em Santos porque está toda hora publicando livro, já tem uns 15 livros publicados. E tudo para divulgar o trabalho dos outros. É uma pessoa de um espírito muito elevado, uma pessoa que dá gosto de encontrar e de seguir o que ele faz. Ele faz aquilo que eu fazia na Casa do Poeta e desisti, mas ele não desistiu. Hoje ele dá muito apoio à esposa, Dona Carolina Ramos. Volta e meia ele me informa da participação deles aqui em São Paulo. É uma pessoa maravilhosa. Pouca gente sobrou daquele tempo, ou desistiu porque viu que não era conveniente, mas ele continuou na mesma pureza, e continua com o mesmo esquema de eventos, palestras e promoção de lançamentos de livros.
Claudio deve ter muita informação sobre a Casa do Poeta, ele e Carolina se conheceram lá. Constantemente o pessoal de Santos vinha para a Casa do Poeta e vice-versa. Os mais ativos da Casa do Poeta iam para Santos, faziam parte do Clube de Poesias e outras entidades de lá. Claudio e Carolina formam um casal literário, um casal nota 10.
Rosa Maria: Estamos tendo o prazer de conhecer boa parte de sua vida cultural e percebemos que o senhor ainda tem muito mais para nos contar. O senhor sempre exerceu atividades culturais, paralelamente à atividade profissional?
Sérgio C. Covello: Sim, sempre exerci atividade cultural paralela à minha atividade profissional. Fui sócio efetivo da Sociedade de Estudos Filológicos, da Sociedade Geográfica Brasileira, do Sindicato dos Escritores e frequentava as reuniões da União Brasileira de Escritores e de outras associações então existentes.
Quando eu deixei essas agremiações todas (ACL, Casa do Poeta e outras), continuei a fazer trabalhos literários, a proferir palestras em escolas e em faculdades. Especialmente através de uma associação chamada Sociedade Educacional Comenius. Fiquei muito tempo operando em nome dessa sociedade, com palestras e cursos de psicanálise educacional.
Ainda na década de 1970, surgiu aqui em São Paulo um movimento de divulgação da Psicanálise, com a publicação de muitos livros, especialmente os de Erich Fromm, que foi um sucesso absoluto nas faculdades. Todos, os que estudavam educação, conheciam e liam esse autor. E surgiu um grupo interessado em Psicanálise que criou uma Escola de Psicanálise sem vinculação com a Escola Psicanalítica Internacional, nem com a Associação Psicanalítica do Brasil.
A senhora sabe que a formação do psicanalista é feita na base de análise didática. Eles fazem uma seleção prévia e, tendo curso superior, eles aceitavam os candidatos. Hoje, parece que tem que ter curso de Medicina ou Psicologia. Os candidatos se submetem à análise, que demora alguns anos e frequentam aulas e palestras. É diferente de uma escola comum. Mas houve um grupo que quis criar uma Escola de Psicanálise, e criou. Tudo isso na década de 70. Esse grupo cresceu e se tornou a Associação Profissional dos Psicanalistas do Estado de São Paulo (Apropesp), que, por sua vez acabou criando o Instituto de Psicanálise, para formar psicanalistas sem a necessidade de fazer análise. O interessado assistia as aulas e fazia as provas. Eu fiz esse curso e recebi o meu certificado em 1975. Depois, passei a lecionar neste Instituto.
Eu não lecionei só na Universidade de São Paulo. Lecionei também na Faculdade de Direito de Pinhal, a terra do café. Dizem que o melhor café de São Paulo é produzido lá em Pinhal. Eles já receberam muitos prêmios. A faculdade é hoje uma universidade e abrange vários cursos. O curso de Direito foi o primeiro. A Escola de Agronomia e Zootecnia de Pinhal é uma das mais conceituadas porque tem a fazenda onde os estudantes aplicam os conhecimentos que recebem. Eles saem de lá bem qualificados.
Na Faculdade de Direito de Pinhal eu dei aula durante mais de sete anos. Era muito agradável, tinha um ambiente maravilhoso, com excelentes colegas e alunos mais afetivos. O aluno do interior valoriza os professores.
Só saí de lá, e de outras atividades paralelas, quando entrei na magistratura, em razão do acúmulo de processos para resolver. Mas nunca me afastei da escrita. Além dos livros técnicos que escrevi, produzi artigos sobre temas variados para jornais e revistas. Fiz parte da Comissão de Redação da Enciclopédia Saraiva do Direito (75 volumes) e participei do Conselho Editorial da Revista de Direito Bancário da Editora Revista dos Tribunais.
Rosa Maria: Tenho a relação dos seus livros e gostaria, se possível, que o senhor me falasse um pouco de cada um deles. Sei que são livros que fazem parte de seus estudos, da sua experiência e prática profissional, mas gostaria de saber o que cada um representou, no momento de sua elaboração e depois, quando passaram a fazer parte da Jurisprudência, serem usados nos Cursos de Direito e citados em palestras, em artigos, monografias e teses... Muito admiro e respeito sua trajetória profissional e a bagagem cultural que reuniu ao longo de todos esses anos de estudos e experiência de vida. Parabéns!
Sérgio C. Covello: Fico muito grato por seus generosos elogios. Seria fastidioso falar de cada uma dessas obras jurídicas. Mas posso dizer que elas me roubaram muitas horas de convívio com minha família, em razão da pesquisa que tive de fazer para elaborá-las. Além do trabalho braçal de datilografá-las e de revisá-las. Mas o aprendizado valeu a pena. Fiquei gratificado quando soube que elas foram bem aproveitadas pelos operadores do Direito. Para mim, elas representam apenas fatos da minha vida profissional.
Rosa Maria: Muito grata por suas respostas, Dr. Sérgio Carlos Covello. Acredito que é assim que a maioria das pessoas se sente, depois de cumprida a sua função profissional ou de fazer a sua parte dentro daquilo que a sociedade exigia ou esperava. Seguimos o curso da história e não tem como voltar atrás. Sim, é para se sentir gratificado porque apenas um número muito reduzido de pessoas chega ao estágio que o senhor chegou. Parabéns!
Rosa Maria: O senhor poderia me fazer uma relação das entidades das quais fez parte e respectivas datas?
Sérgio C. Covello: Eu me envolvi com tantas coisas, que é difícil relacionar tudo. Houve época em que eu tinha um currículo pronto, porque era convidado para fazer palestras em outras faculdades, ou em associações profissionais. Depois que me aposentei, eu renunciei a tudo isso. Dar aula de Direito, fazer conferências no âmbito do Direito – não quis saber mais de nada disso. A renúncia não é renegação. Na renúncia, eu renunciava aos vínculos com tudo isso.
Nesse período, acabei ingressando na Sociedade Teosófica e me dedicando a esses estudos, como a senhora viu no YouTube. A única entidade da qual eu não me retirei foi a Sociedade Teosófica, também porque não havia motivo para eu me retirar. Já faz uns 15 anos que estou lá, mas está ficando difícil continuar frequentando porque a sede, que era na Anita Garibaldi, se transferiu para o Instituto Pitágoras, na Liberdade. As reuniões são à noite e à noite em São Paulo a senhora sabe melhor do que eu: é tenebrosa. Não tive mais condições de ir às reuniões, afinal estou com 72 anos e preciso me resguardar.
Hoje, em termos religiosos, se me perguntarem o que eu sou, respondo que não sou nada. O meu ideal, agora é me desvencilhar do papel, dos títulos. O senhor é o Dr. Fulano de tal...? Não, meu nome é Sérgio. Na minha certidão de nascimento não tem título nenhum. Meu nome é Sérgio e esse foi o nome escolhido. Sobrenome eu não gosto de fornecer porque tem muito a ver com vaidade. Aquelas coisas muito bonitas, aqueles anéis muito caros, não dizem a realidade da pessoa. É muita fantasia. Foi um toque que eu tive, porque até a minha aposentadoria eu era muito vaidoso, gostava de tudo o que era pompa e circunstância. A partir desse momento eu comecei a me desfazer de tudo isso. E acabei me desfazendo do currículo, que posso até reconstituir, mas hoje fica mais difícil porque mudei de escritório e joguei muita coisa fora.
Se me perguntarem: Faria tudo de novo? Com a experiência de hoje, talvez eu não fizesse. Mas tudo o que eu fiz foi aprendizado e muita coisa faria de novo. Outras eu não faria. Não que eu renegue as coisas que eu não faria. Não faria porque na minha ótica de hoje não me convém.
A Ordem Rosa Cruz foi outra associação mística à qual pertenci durante uns 35 anos. Sim, cheguei a um grau elevado, mas eu ficava à distância porque estudava por correspondência. Aprendi muito, acabei fazendo parte de uma academia que eles criaram, lá em Curitiba, no Paraná. Atuei bastante, sempre me considerei aluno, e depois passei a escrever na revista deles. Mas, chegou um momento em que me deu um estalo: aquilo perdeu o sentido para mim. Eu simplesmente mandei um cartão solicitando o cancelamento da minha inscrição. E acabou.
Rosa Maria: Como foi que o senhor chegou a esse momento de conscientização?
Sérgio C. Covello: É uma história muito longa, porque tudo foi acontecendo em razão dos meus estudos, especialmente das religiões orientais. A Sociedade Teosófica incentiva a voltar para o Oriente, especialmente para a Índia. O Induísmo, o Bhagavad Gita ... A questão toda é a elevação da consciência, que é um estudo ao qual me dedico também. Já fiz várias palestras sobre isso.
Eu fui me aprofundando nos estudos sobre a chamada super consciência ou consciência cósmica e vi que há exercícios para isso. Nós temos muitos pensamentos na cabeça, mas não somos os nossos pensamentos. Nós temos muitas emoções, mas nós não somos as nossas emoções. Somos muito mais importantes do que os nossos pensamentos e as nossas emoções. Foi esse o meu treinamento e por isso eu renunciei aos vínculos.
Todos nós temos o nosso EU maior, que é a semente divina no homem. A nossa semente fica apagada por um monte de ideias, preconceitos, conceitos, medos, ódio, raiva, e outras emoções negativas, e a gente acaba não vivendo o mais importante, que é o Eu verdadeiro. Essa consciência se chama também o EU Crístico ou o Eu Búdico. Essas duas figuras, Cristo e Buda, são os ápices da religiosidade. Buda dizia que a mente humana é iluminada. Santa Tereza de Ávila sabia muito bem disso: ela disse que todo mundo sabe que tem uma alma. Ela era um gênio. Em seu livro Moradas, ou Castelo Interior, ela nos convida a entrar na Alma para descobrir esse tesouro que existe dentro dela. Muita gente sabe que é um filho de Deus, que é um espírito, mas não vivencia isso. Essa vivência é que importa.
A personalidade está em constante mutação. A gente vai ampliando a consciência e chega uma hora em que vemos que aquilo não vai mais adiantar para nada. Serviu, numa época, para aprender, mas depois perdeu a finalidade. Eu devo muito à Ordem Rosa Cruz, mas eu nunca me titulei. Os membros se chamam de Frater, Soror, usam frc no nome. Nos artigos que eu publiquei na revista, eles usavam esse título, mas nunca me apresentei como membro da Ordem. Eu não sou dos lugares. É essa a conotação. Como disse o Ministro Portela: eu não sou ministro, eu estou ministro. Na vida é assim. Eu não posso dizer o que eu sou, agora eu estou.
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Rosa Maria: Dr. Sérgio Covello, escrevo-lhe para dizer que a leitura do seu livro "Comenius - A Construção da Pedagogia" foi uma das melhores e mais gratificantes que fiz nos últimos tempos. Que biografia abençoada a deste ser humano tão especial que foi Comenius! Pergunto-me como é possível estarmos vivendo tempos tão conturbados em termos de educação e moralidade quando temos, há mais de 400 anos, na História da Humanidade, um pedagogo dessa grandeza?! Eu mesma não conhecia sua história nem tinha lido sua obra... Tantos séculos depois, e ainda perdemos tempo com leituras de valor questionável! Quanta falta de educação na vida das pessoas, em pleno desenvolvimento das tecnologias das Comunicações! Imagino como deve ter sido proveitoso todo o período que o senhor dedicou às leituras e às atividades de divulgação da obra desse grandioso pedagogo! Se não for lhe pedir demais, eu gostaria de terminar minha entrevista com uma pergunta sobre Comenius e sua obra: Qual a importância dos ensinamentos de Comenius na sua vida particular e pessoal? Sua vida teria sido diferente sem essas atividades e ensinamentos?
Sérgio C. Covello: Muito me alegra que tenha gostado de ler o livrinho sobre Comenius e se tornado admiradora do pedagogo checo. Esse livro foi escrito às pressas, para divulgar as ideias do pai da pedagogia moderna por ocasião do seu quarto centenário. Tive notícia de Comenius quando cursava o normal. E então li a Didática Magna em português, numa edição da Ed. Organização Simões, RJ, 1954! De pronto me apaixonei pela obra do mestre e comecei a divulgar suas ideias em palestras e artigos. Para mim, o contacto com a obra Comeniana foi muito proveitoso, pois os princípios Comenianos nortearam toda a minha trajetória no magistério. E minha vida pessoal.
Comenius foi acima de tudo um místico. Ele considerava a educação um meio de aproximar o homem de Deus. A tarefa do educador é, pois, regenerar o ser humano – algo bastante difícil de conseguir. As pessoas não têm interesse nisso. Essa a razão de Comenius ter sido relegado ao esquecimento e seus muitos livros permanecerem como velharias utópicas. Nos dias de hoje, falar de Comenius é loucura. Saiba que existe em São Paulo uma rua dedicada a Comenius e duas escolas de 1º e 2º graus, uma estadual e outra municipal. O 4º Centenário foi reconhecido pela Secretaria de Educação de SP, a qual convocou as escolas do Estado a comemorarem a efeméride. Estados do Nordeste também participaram, e assim Comenius foi parar na literatura de cordel!
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Rosa Maria: Dr. Sérgio Covello, mais uma vez, receba os meus sinceros agradecimentos! Seu livro-presente chegou ontem, com sua gentil dedicatória. Além de agradecida, fiquei sensibilizada com o Informativo e o folheto sobre Comenius!
É um duplo prazer lhe conhecer e tomar conhecimento da obra de Comenius, um educador de primeira grandeza! A Academia Cristã de Letras e eu, agradecemos por sua generosidade e paciência! O senhor sabe que um Acadêmico será sempre Acadêmico: o seu lugar, como idealizador da entidade e fundador da Cadeira Nº 1 da ACL, é e será sempre reverenciado. Para nós, e para todos, o senhor faz parte da Confraria que idealizou e criou. Quando passarem esses tempos de pandemia (político-ideológicos), voltaremos a nos reunir e esperamos contar com sua presença para nos alegrar com trocas de ideias sobre sonhos e realizações nas Tertúlias da Academia Cristã de Letras.
Que Deus lhe abençoe.