Fonte: Correio Popular de Campinas/SP
O Dr. Flávio Quilici, médico gastroenterologista e escritor com 15 livros já publicados, concedeu importante que ocupou as páginas A4 e A5 do jornal Correio Popular, de Campinas, edição do dia 28 de janeiro de 2024. Flávio Quilici, titular da cadeira 04 da Academia Cristã de Letras – ACL, concedeu entrevista a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni e a íntegra do texto foi a nós disponibilizada pela jornalista Elaine Santos, chefe de reportagem deste importante jornal. Segue abaixo a íntegra da entrevista:
O médico Flávio Antônio Quilici acumula uma experiência de 53 anos acompanhando de perto a evolução da Medicina, desempenhando papéis essenciais como profissional, professor e pesquisador. Reconhecido como um dos pioneiros no país, contribuiu significativamente para o desenvolvimento de novos exames, tratamentos e técnicas cirúrgicas na área gastrointestinal. Sua trajetória inclui participação ativa no estabelecimento e crescimento de duas renomadas instituições locais, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas).
Desde 2012, o Dr. Quilici dedica seus estudos a um tratamento inovador que, à primeira vista, pode suscitar aversão, mas representa uma das abordagens científicas em busca da cura para diversas doenças: o transplante de fezes. Embora ainda em estágio inicial, essa técnica já se destaca como o único tratamento preconizado no Brasil para infecções intestinais provocadas pela bactéria clostridium difficile, anteriormente fatal.
Nesta entrevista, concedida a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni, o médico compartilha insights sobre diversos avanços na Medicina. Ele ressalta a importância de uma abordagem centrada no paciente, defendendo que os profissionais de saúde devem dedicar total atenção e empenho aos que buscam assistência. "O médico precisa ouvir o paciente, conhecer seu nome e demonstrar disponibilidade para oferecer auxílio", destaca Flávio Quilici, que já ocupou simultaneamente a presidência de três entidades de destaque no país: Sociedade Brasileira de Proctologia, Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva e Federação Brasileira de Gastroenterologia.
Nascido no interior paulista, mas estabelecido em Campinas, o Dr. Quilici é autor de 15 livros e já proferiu mais de mil palestras em diversos congressos. Sua obra mais recente, "Personagens da História da Medicina", aborda figuras que contribuíram significativamente para o avanço da ciência nos últimos cinco anos, revelando curiosidades envolvendo esses protagonistas.
De qual cidade o senhor é natural?
Rio Claro, onde estudei até o antigo ginásio. Meu era pai era comerciante, trabalhava com tecidos, e minha mãe fazia algumas roupas para mostrar como ficavam boas para vender mais. Eu tenho três irmãos, mas sou temporão. Sou o caçula e nasci 12 anos a depois do meu irmão, quando minha mãe tinha 40 anos. Todos os estudos iniciais foram em Rio Claro em escola pública, o Grupo Marcelo Schmidt e no ginásio interno Koelle, de origem alemã. Quando decidi fazer Medicina, sou o primeiro médico da família, me mudei para Campinas para fazer o colégio e o cursinho pré-vestibular.
Qual foi a origem do seu interesse pela Medicina?
No terceiro ano de ginásio, eu tive uma aula de Biologia e me encantei com o sistema circulatório, achei aquilo brilhante. Como o Homem lá em cima consegue fazer uma coisa tão bonita, tão certa, tão precisa? Minha irmã, bem mais velha do que eu, se casou com um mineirinho que foi uma das pessoas mais ilustres do mundo em Educação, o Heitor Gurgulino de Souza, que morreu agora, aos 95 anos. Ele foi reitor da Universidade das Nações Unidas, representante do Brasil na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e representante do Brasil em Educação na Organização dos Estados Americanos, a OEA, morando uns 12 anos em Washington. Nesse período, quando me formei no ginásio, fui passar uma temporada de seis meses com eles. Em um supermercado, encontrei um módulo de montar, que era um tórax e uma cabeça, que você juntava os pininhos e podia tingir a água de vermelho ou azul e ver a circulação, que eu trouxe quando retornei ao Brasil.
Após conhecer os Estados Unidos, foi a primeira vez que havia saído de Rio Claro, vi o que o mundo era muito grande, tinha muita coisa para conhecer, e decidi fazer Medicina e ser um desbravador desse mundo.
A Unicamp foi a sua primeira escolha?
Não, porque ela não era o que é hoje. Eu sou da quarta turma de Medicina da universidade. A minha ideia era fazer a USP, mas meu pai achou que ficaria perdido em São Paulo para se locomover. Como eu faria o Científico (atual segundo grau) e o cursinho juntos, fui para Ribeirão Preto. Naquela época, havia o Cescem para Medicina, que reunia algumas faculdades, todas do Estado estavam lá. Eu me classifiquei para a minha quarta opção, que era Campinas. Eu vi formar a Unicamp, participamos do lançamento da pedra fundamental, o símbolo da universidade foi criado na época da minha turma. Eu criei raízes aqui. Namorei, noivei e me casei com a irmã de um amigo de turma, meus filhos nasceram aqui e tenho a honra de ser Cidadão Campineiro, título concedido através do meu querido amigo Romeu Santini, que foi meu paciente. Hoje me sinto campineiro e tenho o título para garantir.
Como ocorreu a escolha pela sua especialidade?
Eu sempre gostei de cirurgia. Eu achava uma situação extraordinária alguém confiar e entregar a vida nas suas mãos e você ter a responsabilidade de fazer tudo para salvá-la. Eu me identifiquei com o grupo que operava limpo, bonito e elegante. Fiquei na Unicamp até 1979 estudando, ensinando e dividindo o tempo com a clínica privada.
Quando estava no segundo ano da faculdade, comecei a dar aula em um cursinho para que meu pai não precisasse mais me ajudar. No terceiro ano, já era dono do cursinho em sociedade com meu cunhado. Fui dono do cursinho até o sexto ano da faculdade, quando decidi me dedicar somente a Medicina. Fiz dois anos de residência na Unicamp, já fazendo cirurgia e continuando na especialidade de coloproctologia.
Em 1979, a PUC estava no terceiro ano da faculdade de Medicina eu fiz parte do primeiro grupo de cirurgiões contratado para dar aula e montar o Hospital Celso Pierro. O primeiro paciente que foi operado lá foi da pediatria e quem operou foi o ex-prefeito Dr. Hélio (Hélio de Oliveira Santos). Eu fiz minha carreira docente na PUC, mas o mestrado e o doutorado foram na Unicamp.
O doutorado já foi em cirurgia e foi uma tese interessante porque foi a primeira em sutura mecânica. Não existia nenhum trabalho mostrando como isso funcionava. A empresa que fabricava esses equipamentos me levou para os Estados Unidos e ajudei a desenvolver os aparelhos. Nesse meio tempo, começaram a ter os aparelhos de colonoscopia. Havia cinco médicos no Brasil que faziam o uso e eu tive o privilégio de ser um deles.
A primeira aula de colonoscopia foi um vídeo eu que fiz e depois fiz o primeiro livro de endoscopia. Em 1983, nós fizemos o sexto seminário brasileiro de endoscopia digestiva. Este foi o primeiro que teve prova de título de especialista nessa área.
O senhor foi testemunha e protagonista de muitas dessas transformações. Como descreveria a evolução no tratamento e compreensão das doenças, e como esse cenário se apresenta hoje?
Eu escrevi um livro, Personagens da História da Medicina, que mostra uma jornada de cinco mil anos, porque é o período em que surgiu a escrita e o registro dos fatos históricos. Na verdade, mostro desde a criação da Terra, como surgiu a vida, os animais, o homem, o Homem Sapiens, como somos hoje, até o século 21, até 2020. Eu coloco nesse capítulo as chamadas novas doenças ou as doenças do século 21. Na realidade, não são novas doenças, já existiam, mas não era em quantidade e eram confundidas com outras. Um exemplo: o autismo já existia, mas temos, comprovadamente, que o número de casos aumentou agora. Nós temos na história que a doença que nos matavam eram as infecciosas e isso era um desastre. A peste matou três quartos da população europeia. Se voltar para o H1N1 na gripe espanhola, entre 1917 e 1918, pós-Primeira Guerra Mundial, morreu quase um quarto da população na Europa. O tifo, que pega no final do intestino fino, matava quase todo o mundo e hoje é tratável. Quantos morreram de apendicite? Hoje, isso é muito, muito raro. Nós vivemos essa época em que tínhamos uma batalha, um grande inimigo.
Nós não conseguimos vencer a batalha, mas conseguimos igualar com os antibióticos. Também teve o saneamento básico, a higiene. Nós tivemos primeiro que conhecer a bactéria. Foi Pasteur (Louis Pasteur, 1822-1895) que nos mostrou que quem matava era a bactéria. Isso fez uma enorme diferença. A imunidade que temos hoje surgiu há algo em torno de 10 mil anos. Até então, o homem era caçador e coletor, vivia em grupos pequenos de no máximo 100 pessoas e era nômade. Não poluía, tinha poucos filhos, vivia pouco, até por volta de uns 30 anos, não havia transmissão de doenças. Quando passamos a vivemos a se tornar agricultores, nos tornamos mais sedentários, diminuímos de tamanho, começamos a engordar e viver em comunidade. A nossa imunidade foi formada ao longo desses milhares de anos e está sempre alerta.
Qual foi a importância das vacinas para melhorar a qualidade de vida da humanidade?
Nesses últimos 100 anos, a agressão diminuiu. As vacinas ensinaram a nossa imunidade a identificar os vírus, as bactérias antes e já atuar para defender o organismo e evitar a doença antes que ela surja. A nossa imunidade passou, então, a perder um pouco a noção do que é o inimigo. Qual o maior órgão do nosso corpo que tem contato com o exterior? É o intestino, que é 100 vezes maior do que a pele. O intestino fino mede 7 metros, o grosso, 2 metros. Mas o fino tem reentrâncias e se você pudesse estendê-lo, ele cobriria uma quadra de tênis, 100 metros quadrados. Esse intestino tem o seu sistema de defesa. Toda vez que aparece uma molécula que não conhece, ele liga o alarme e nós passamos a ter as doenças autoimunes. Ela não é uma doença, mas o organismo interpreta como se fosse. São muitos as doenças autoimunes, como autismo, a síndrome do intestino irritável, a intolerância à lactose e muitas outras.
Como funciona a intolerância à lactose?
O leite da vaca é bom para o bezerro. O leite sadio para o ser humano é o materno, que passa a imunidade e tudo mais. O leite da vaca não foi feito para a gente beber e comer nessa quantidade. O nosso pâncreas não dá conta porque nós não fomos feitos para ele. Então, nós precisamos de uma enzina que quebra a lactose em glicose para a gente absorver. Quando você não tem a lactase suficiente, que é essa enzima, a molécula fica grande e o nosso intestino identifica isso e pensa que é uma bactéria e rejeita. Com isso, a pessoa tem diarreia, a unha não cresce, o cabelo fica quebradiço, emagrece. É muito comum, com a idade, a pessoa se tornar intolerante a lactose ou ao glúten. A amamentação da criança até 1 ano é fundamental, até os seis meses é absolutamente necessário para criar a microbiótica, que é a variedade de bactérias que vivem no nosso organismo.
Uma inovação recente na área da ciência médica é o procedimento de transplante de fezes. Como esse processo é conduzido e em quais casos pode ser aplicado?
Todo mundo acha que cocô é ruim. Por quê? Porque há nojo em torno dele, é escatológico, mas o cocô é ótimo. Nós somos, na realidade, 10% daquilo que estamos vendo. As células são 10%. Os outros 90% são bactérias que estão dentro da gente. O ser humano tem 10 trilhões de células e 90 trilhões de bactérias, das quais 70 trilhões estão no intestino. Hipócrates já falava que a saúde está no intestino. Pasteur publicou um livro maravilhoso mostrando a importância das bactérias no intestino. A microbiota sempre foi muito importante porque ela protege o nosso corpo. As bactérias existem há mais ou menos 1 bilhão e 500 milhões de ano. Os animais há 500 mil anos. As bactérias são os seres vivos mais excepcionais que existem. Tem bactéria como uma célula só, a ameba, que faz tudo: ela se alimenta, se reproduz e se adapta. Se o tempo está ruim ou não tem comida, ela hiberna. A bactéria existe em todos os lugares, inclusive em tanques de ácidos. Na bateria de carro tem bactéria. Ela entrou no corpo dos animais e vivem em uma situação que chamamos de simbiose. Por exemplo, o ser humano tem uma microbiota que ajuda na defesa da mucosa, avisa quando há bactéria ruim e defende a gente, porque produz um tipo de antibiótico. Então, a maioria das bactérias que temos são chamadas de bactérias boas, do bem. Algumas são ruins, mas como tudo vive em equilíbrio, está tudo direitinho. O que acontece é que o ser humano atualmente, com comida e tudo mais, tem desequilibrado essa harmonia, tem provocado a disbiose. Hoje, a nossa microbiota não é tão sadia assim, por isso surgem algumas doenças provocadas por esse desequilíbrio. Aí que entra a possibilidade de fazer o tratamento com fezes.
Como é feito esse tratamento?
Inicialmente, era feita com o uso de sonda nasogástrica. Mas essa técnica começou no século 400 depois de Cristo. Um capitão e médico do Exército chinês, chamado Ji Hong, não sei como ele descobriu, usou a sopa amarela para tratar dos soldados que tinham muita diarreia e doença durante as batalhas. Ele pegava o cocô dos soldados sadios, colocava na água, esquentava e chamava de sopa amarela. Os soldados doentes tomavam e eram curados da diarreia. Nós estamos hoje em uma situação que as novas doenças estão ligadas a essas alterações intestinais e no cérebro. Nós sabemos hoje que há um eixo ligando cérebro e o intestino. Tanto que o intestino é chamado atualmente de segundo cérebro. Por quê? Porque 10% dos neurônios do nosso corpo estão dentro do intestino. Ele é o único órgão capaz de fazer algumas funções independente do cérebro, mas eles têm um relacionamento. Esse eixo hoje é cérebro-intestino-microbiota e esses três estão sempre interligados. Já se sabe, por exemplo, que várias doenças aparecem no intestino e têm reflexo no cérebro. É como se houvesse um vírus na comunicação e ela fosse errada. São as doenças funcionais, que ainda não se sabe a causa, a função não é cumprida e não se sabe o motivo, não aparece uma úlcera, um tumor, não aparece nada. Há grupos que sofrem dor e diarreia, dor e constipação, que é o intestino preso. Já se sabe que há remédio que pode tratar, mas como ainda não se consegue fazê-lo puro, pode causar danos no coração. Por isso, o uso ainda não é recomendado. Nós já sabemos, por exemplo, que a microbiota do gordo é totalmente diferente da do magro. A microbiota do obeso tem um desequilíbrio e uma quantidade enorme de firmicutes e pouca bacteroidetes. No magro é completamente ao contrário. Pegaram o cocô do ratinho gordo e introduziram no magro, que engordou. Agora, quando pegaram o do magro e puseram no gordo, ele não emagreceu.
Em quais doenças o transplante pode ser aplicado?
A gente já sabe que existe a microbiota normal da pessoa sadia. A gente já estudou inúmeras doenças e cada uma tem um perfil diferente. A gente chama isso de assinatura genética da microbiota da doença. Esse é um novo campo que precisa ser estudado, isso é muito novo. Eu comecei a falar disso em 2012, o que para a Medicina não é nada. Nós sabemos que existe a genética da microbiota porque conhecemos o genoma humano, que foi desvendado em 2001. A mesma técnica foi usada na microbiota, mas o genoma humano tem 23 genes, a microbiota, com 90 trilhões de bactérias, não se conhece ainda. Há um mundo para se estudar. Mas há exame de fezes que mostra algumas alterações na microbiota que podem ser resolvidas com alimentação, incluindo nela o probiótico, que são bactérias boas que são ingeridas. O transplante de fezes, no começo, não se sabia qual bactéria ou conjunto de bactérias era bom para tratar o paciente da diarreia. Então, se dá o todo. O paciente não pode ter tido hepatite, porque ela passa pelas fezes. Não pode ter tomado antibiótico, porque isso altera a microbiota. O que nós precisamos é da microbiota sadia do indivíduo, que quando é colocada no indivíduo doente, ela recobre o intestino e vai fazer o que a microbiota deveria estar fazendo, proteger. Antes, a colite pseudomembranosa matava quase todo mundo. O antibiótico quase não pegava. Em 1958, em Nova York, o primeiro trabalho publicado foi de um médico judeu muito importante. Ele tratou oito pacientes com colite pseudomembranosa e curou todos. A doença é provocada por uma bactéria, a clostridium difficile, que é terrível, ruim de tratar e que todos nós temos no intestino, mas como está em equilíbrio, não faz nada. Se a pessoa toma um antibiótico e desequilibra muito, ela toma conta da parada.
Hoje já se sabe de grupos de bactérias que podem curar determinadas doenças. Elas são selecionadas e introduzidas no organismo, tendo o mesmo efeito do transplante, o processo evoluiu. As universidades no mundo, em conjunto as indústrias, estão fazendo pesquisas e coisas estão evoluindo demais. No Brasil, o transplante é liberado apenas o tratamento da clostridium difficile. Aqui é norma, o único procedimento liberado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Para nada mais.
Quantos livros o senhor já publicou, considerando sua profissão como médico e pesquisador, que o caracteriza como um cientista?
Eu tenho uns 15 livros publicados. O primeiro atlas em língua portuguesa de doenças proctológicas fui eu que escrevi. Quando você está dentro da universidade, você tem que fazer pesquisa, faz parte da sua vida acadêmica. Eu tenho mais de 100 capítulos publicados em livros de outros médicos. De palestras em congressos, eu tenho mais de mil e tantas. São 53 anos de carreira.
Uma expressão proferida há uma década afirmava que as gerações futuras não questionariam se teriam câncer, mas sim quando o teriam. No contexto gastrointestinal, quais são as principais preocupações relacionadas ao câncer?
A minha visão do câncer é que pode ser causado de duas maneiras: origem genética, a pessoa tem um gene errado que faz com que as células reproduzam errado e provoquem a doença; ou uma agressão causada por vírus, como é o HPV. Mas todos esses tipos hoje são tratados. Eu tenho a impressão de que num futuro próximo, com esse conhecimento genético, microgenético, microbiótico e tudo mais, a pessoa vai nascer, se fará uma coleta de sangue, se fará o mapa genético dela e o risco que terá de desenvolver a doença, o risco cardíaco, de sofrer um AVC, diabetes. Eu acho que no futuro a cirurgia será aplicada apenas em casos de trauma, aí não tem jeito, e reparadoras. Fora disso, tudo será tratado geneticamente. Mas uma única coisa que tem me deixado triste é que a Medicina está se desvirtuando.
Hipócrates já falava que o médico tem que ver o doente, examinar, olhar, conversar. O médico tem que ouvir o doente, saber o seu nome, mostrar que está lá para tentar ajudar. Eu não sou contra a telemedicina, mas é preciso definir como ela será usada. Eu entendo que o paciente não precisa voltar ao consultório para trazer o resultado de um exame. Mas entrar em um aparelho e dizer que não tem nada ou deu uma coisa e estou passando um remédio é diferente de conversar com o paciente e dizer que isso não é nada ou vamos fazer de tudo para o senhor ser curado. A tecnologia é estupenda, vem com um monte coisa, mas vem um custo junto que é absurdo. Nos países pobres, nós vamos sofrer muito. Além disso, o médico tem que ter postura, perguntar ao paciente o que pode ser feito por ele. Às vezes, a gente também tem que ter a humildade de encaminhar o paciente para outro especialista. A gente não sabe tudo.
Como o senhor costuma relaxar e qual é o seu hobby?
Eu sou cinéfilo, gosto muito de filmes. Gosto de ler e de escrever.