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Como é linda a palavra “saudade”. Palavra exclusiva da língua portuguesa, de complexa origem etimológica.

Raquel Naveira cronicas b2714

A professora portuguesa, Carolina Michaëllis de Vasconcelos, explica que a palavra saudade veio do latim solitates, e que foram seus antepassados, entre nós, sucessivamente, soedade, soïdade e suidade. “Saudade” e “saudoso” tornam-se formas vulgares, a partir dos fins do século XVI, após a fusão de soidade com saudade (de salutate), saudar, saúde, saudações. “Saudade” ficou apenas com os seguintes sentidos: lembrança dolorosa de um bem que está ausente, ou de que estamos ausentes, e desejo e esperança de tornar a gozar dele; expressão desse afeto dirigido a pessoas ausentes. Esse bem pode ser tanto a terra em que nascemos, o lar e a família, os companheiros da infância, como a bem-amada ou o bem-amado. Designa sobretudo o vácuo nostálgico ou o peso esmagador que nas ausências dilata ou oprime o coração humano, agravado, algumas vezes, pelo arranhar da consciência, pelo remorso que nos acusa de não havermos estimado, aproveitado e reconhecido o bem que possuíamos.

Uma das mais belas definições de “saudade” foi dada por Mário Palmério, escritor mineiro, que compôs a guarânia “Saudade”.

Em 1962, a convite do presidente Jango, assumiu a embaixada do Brasil no Paraguai. Entre articulações de encontros de deputados com o governo paraguaio para tratar de políticas de intercâmbio comercial, Mário Palmério dedicou-se também à música. Pianista de ouvido, deixou essa e outras deliciosas guarânias. Guarânias são manifestações da cultura paraguaia, povo que tem duas línguas oficiais: o espanhol e o guarani. O estilo musical recebeu esse nome devido ao guarani, mas a maioria das músicas são cantadas em espanhol. Os paraguaios usam o espanhol para a razão e o guarani e, por extensão, a guarânia, para o afeto.

“Saudade” é uma guarânia terna, suave e sedutora, de criação envolta em lendas. Dizem que alguém, um dia, perguntara a Mário Palmério o que era saudade e ele, então, num suspiro melancólico, compôs a guarânia, única forma de traduzir para o castelhano o lirismo dessa palavra singular.

Segue a letra:

Si insistes em saber lo que es saudade,
Tendrás que antes de todo conocer,
Sentir lo que es querer, lo que es ternura,
Tener por bien um puro amor, vivir!

Después comprenderás lo que es saudade
Después que hayas perdido aquel amor
Saudade es soledad, melancolia,
Es lejanía, es recordar, sufrir!

Como sul-mato-grossense, tenho profunda admiração por Mário Palmério e por guarânias. Amo o eletrizante romance Chapadão do Bugre, que Mário escreveu isolado numa fazenda de sua propriedade no sertão de Mato Grosso. Quanto às guarânias, cresci ouvindo polcas e guarânias pelas fazendas da fronteira. A música paraguaia encharca o terreno da minha alma até as raízes mais profundas. Os paraguaios vestidos com camisas coloridas de bordado nhanduti, dedilhando harpas, desdobrando acordeons, enquanto ceávamos à beira do lago Ipacaraí, numa noite escura de Assunção.

Assim como Mário Palmério, tentei também definir “saudade” num poema:

Quando estou longe de ti,
Teu rosto se dilata,
Toma conta do meu ser,
Tua ausência é um fantasma
Que arrasta cometas
Pelo meu universo.

Quando estás perto de mim
Tua presença é compacta,
Pesada,
Metal incandescente,
Meteoro caído
No coração em brasa.

Longe de ti,
Tenho saudade;
Perto de ti,
A saudade aumenta,
Falta de algo que me atormenta,
Que nem sei definir
Se é gozo ou sofrimento,
Se está ligado às nuvens,
Aos beijos,

A esta cidade.
O tributo que te oferto
É saberes
Que longe ou perto
Sinto muita saudade de ti.

*Estou com saudade: do Paraguai e de nós.